A cena pode parecer impensável: a Alemanha, mundialmente reconhecida como o berço da cultura cervejeira, está vendo cervejarias centenárias encerrarem suas atividades. E o motivo não é apenas a alta nos custos ou a modernização da indústria, mas sim uma mudança de comportamento da nova geração de consumidores. A chamada Geração Z, composta por jovens nascidos entre 1995 e 2010, está rejeitando o consumo de álcool em níveis nunca antes vistos — e essa decisão está mexendo profundamente com o mercado.
Um exemplo emblemático é o da Lang-Bräu, cervejaria localizada no norte da Baviera, que anunciou o fechamento em 2024 após 172 anos de operação. O gestor da empresa, Richard Hopf, explicou que a combinação entre a queda das vendas e a necessidade de investir 12 milhões de euros em modernização tornou a continuidade inviável.
O caso da Lang-Bräu, porém, está longe de ser isolado. Dados da associação de cervejeiros alemães confirmam que o consumo de cerveja per capita no país caiu de 126 litros em 2000 para apenas 88 litros em 2025 — a menor média histórica registrada.
Queda no consumo: da tradição ao declínio
A redução do consumo de cerveja não é apenas uma questão econômica, mas também cultural. A bebida que já foi símbolo da vida social alemã vem perdendo espaço nos bares, restaurantes e até em festivais tradicionais.
Em 2025, a produção nacional caiu 6,3% só no primeiro trimestre, um número preocupante para um setor que sempre foi sinônimo de estabilidade. Holger Eichele, presidente da associação de cervejeiros, afirmou que até negócios com mais de um século de existência estão “lutando pela sobrevivência”.
E o motivo principal? Jovens que simplesmente não querem beber.
Geração Z: saúde e consciência acima da tradição
Pesquisas mostram que a Geração Z tem um estilo de vida diferente das gerações anteriores. A saúde mental, o bem-estar físico e a preocupação com a imagem nas redes sociais influenciam diretamente suas escolhas de consumo.
Para muitos jovens, sair para beber deixou de ser sinônimo de diversão. Em vez disso, há uma busca por experiências sem ressaca, sem riscos e mais alinhadas a um estilo de vida equilibrado.
Essa mudança de mentalidade não se limita à Alemanha. Nos Estados Unidos e em outros países da Europa, cresce a tendência do chamado movimento sober curious (“curiosos pela sobriedade”), que incentiva as pessoas a experimentarem períodos de vida sem álcool.
O avanço das cervejas sem álcool
Se por um lado as cervejas tradicionais perdem espaço, por outro, o setor sem álcool cresce. Na Alemanha, já são mais de 800 rótulos disponíveis e, embora ainda representem apenas 10% das vendas totais, esse é o único segmento em expansão.
Peter Lemm, porta-voz da Krombacher, uma das maiores cervejarias alemãs, destacou que “o futuro do crescimento está nas opções com baixo ou nenhum teor alcoólico”.
As campanhas de marketing também refletem essa mudança: em vez de associar a cerveja à farra e à bebedeira, as marcas agora promovem a ideia de refrescância, esportividade e bem-estar.
Desafios tecnológicos: nem toda cervejaria consegue acompanhar
Produzir cervejas sem álcool de qualidade exige tecnologia de ponta. O processo mais comum envolve remover o álcool após a fermentação, garantindo sabor próximo ao original, mas os equipamentos são caros.
Cervejarias pequenas, como a Lang-Bräu, enfrentam dificuldade em investir nessas tecnologias. Quando tentam interromper a fermentação para reduzir o teor alcoólico, acabam oferecendo bebidas com sabores menos atrativos para o consumidor moderno.
O resultado é um mercado dominado por grandes empresas, que conseguem lançar novos rótulos rapidamente e garantir presença em supermercados e bares.
Impactos econômicos e culturais
O fechamento de cervejarias históricas não afeta apenas a economia local, mas também a identidade cultural de regiões inteiras. No caso da Baviera, onde a cerveja é considerada parte do patrimônio imaterial, a perda de marcas tradicionais gera preocupação entre moradores e especialistas.
Além disso, a queda na produção impacta diretamente agricultores, distribuidores e bares. A cadeia produtiva da cerveja é ampla, e qualquer retração no consumo repercute em diversos setores.
Uma tendência global
Embora a Alemanha seja o símbolo dessa mudança, o fenômeno é global. Nos Estados Unidos, o mercado de bebidas sem álcool deve ultrapassar os US$ 30 bilhões até 2030, segundo projeções do setor.
Na França, Reino Unido e países nórdicos, cresce a busca por vinhos e destilados sem álcool, mostrando que não apenas a cerveja enfrenta esse desafio.
O que o futuro reserva para a cerveja?
Especialistas acreditam que a indústria cervejeira precisará passar por uma verdadeira transformação para sobreviver. A aposta está em três frentes principais:
Cervejas sem álcool mais sofisticadas – investindo em sabor e experiência, aproximando-se cada vez mais das versões tradicionais.
Produtos híbridos – bebidas de baixo teor alcoólico, que unem tradição e moderação.
Marketing digital voltado à Geração Z – explorando redes sociais e influenciadores que promovem um estilo de vida saudável.
Thomas Becker, especialista em produção, resume a situação: “A cerveja não vai desaparecer, mas a forma como a consumimos nunca mais será a mesma.”
Um brinde ao futuro, sem álcool?
O fechamento da Lang-Bräu e de outras cervejarias históricas mostra que a tradição sozinha não sustenta mais o mercado. A Geração Z está moldando uma nova relação com a bebida, priorizando saúde, equilíbrio e experiências diferentes.
Se antes a cerveja era sinônimo de socialização e tradição, hoje ela precisa se reinventar para continuar relevante. O brinde do futuro pode até parecer diferente — talvez sem álcool —, mas seguirá sendo parte da vida em sociedade.
