A carne bovina é um dos alimentos mais presentes na mesa do brasileiro, mas também um dos mais sensíveis às oscilações do clima e da economia. O que muita gente ainda não percebeu é que o aquecimento global não está afetando apenas o meio ambiente: ele também ameaça o preço da carne, podendo torná-la cada vez mais cara no futuro.
Segundo especialistas em economia e meio ambiente, os efeitos do aumento da temperatura, da alteração do regime de chuvas e da maior ocorrência de eventos climáticos extremos já são sentidos no campo. Isso significa que os impactos podem chegar rapidamente ao bolso do consumidor.
O que acontece com o gado quando o clima esquenta demais
O gado criado no Brasil, em sua maioria, vive solto em pastagens. Isso significa que o clima tem influência direta sobre sua alimentação, hidratação e até sobre sua capacidade de engordar.
De acordo com André Braz, coordenador de Índices de Preços na Fundação Getulio Vargas (FGV), a equação é clara:
“O gado no Brasil é criado solto no pasto. As condições das pastagens dependem das chuvas. Se não chove, não há alimento para o gado, e criar esses animais fica mais caro. Esse aumento de custo acaba refletindo no preço da carne”.
Três fatores principais explicam por que a carne pode ficar mais cara com o aquecimento global:
Qualidade do pasto
O aumento da temperatura e a irregularidade das chuvas prejudicam o crescimento da pastagem, principal alimento do gado. Sem pasto de qualidade, os pecuaristas precisam investir mais em ração, elevando os custos de produção.Bois expostos ao sol
Em dias mais quentes, o gado precisa caminhar distâncias maiores em busca de sombra e água, gastando mais energia. Esse esforço reduz o ganho de peso e torna a engorda menos eficiente.Estresse térmico
Assim como os humanos sofrem em ondas de calor, os bois também sentem. O calor excessivo causa estresse térmico, o que impacta não apenas o ganho de peso, mas também a produção de leite.
Quando o clima extremo mata o gado
Se os efeitos do calor parecem distantes, basta olhar para o que aconteceu recentemente na Amazônia.
Em outubro de 2023, uma seca histórica castigou a região, secando rios e reservatórios. O resultado foi devastador: o pasto sumiu, o acesso à água foi comprometido e centenas de bois morreram de fome e sede.
Esse episódio mostrou de forma trágica como os eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes por conta do aquecimento global, podem afetar diretamente a pecuária brasileira.
Quando o gado morre ou perde peso em massa, a oferta de carne diminui. Com menor oferta, o preço sobe. É a lógica básica do mercado, mas impulsionada por fatores climáticos.
O impacto no consumidor brasileiro
Para o consumidor, tudo isso se traduz em uma pergunta simples: quanto vai custar o churrasco?
Nos últimos anos, os preços da carne já oscilaram bastante, principalmente por conta da inflação e do aumento das exportações. Mas agora, a pressão climática entra como um elemento adicional nessa conta.
Se as secas se intensificarem, se as ondas de calor se tornarem mais frequentes e se as pastagens perderem qualidade, os pecuaristas terão custos cada vez mais altos. E dificilmente esses custos ficarão só no campo — acabam chegando às prateleiras dos supermercados.
Isso pode significar que cortes populares, como o acém, a paleta e a carne moída, fiquem mais caros e menos acessíveis para famílias de baixa renda.
Carne mais cara não é só culpa do clima
É importante destacar que o preço da carne não depende apenas das mudanças climáticas. Existem outros fatores que influenciam diretamente o valor pago pelo consumidor:
Inflação: eleva custos de transporte, energia e insumos.
Dólar: como o Brasil exporta muita carne, a valorização da moeda americana incentiva a venda para fora do país, reduzindo a oferta interna.
Exportações: a alta demanda da China, por exemplo, puxa os preços para cima.
Custos de produção: ração, fertilizantes e logística também pesam.
Ou seja, o clima é mais um elemento que se soma a uma lista já longa de pressões sobre o preço da carne.
Um futuro de carne mais cara e menor consumo?
Pesquisadores alertam que, se nada mudar, o futuro pode reservar uma carne cada vez mais cara e menos acessível para os brasileiros.
Algumas projeções indicam que o consumo interno pode cair, enquanto a carne se torna um produto de luxo para parte da população. Já para os produtores, o desafio será encontrar maneiras de adaptar a pecuária às novas condições climáticas.
Entre as alternativas em discussão estão:
Investimento em tecnologias de irrigação para manter as pastagens verdes mesmo em períodos de seca.
Criação de sistemas de sombrite artificial para reduzir o estresse térmico do gado.
Adoção de raças mais resistentes ao calor.
Uso de ração suplementar em períodos críticos.
Todas essas medidas, no entanto, exigem investimento — e mais uma vez, o custo tende a ser repassado ao consumidor.
O papel da sustentabilidade na carne do futuro
O aquecimento global coloca em evidência também um debate maior: o impacto da própria pecuária nas mudanças climáticas.
O setor é responsável por uma parcela significativa da emissão de gases de efeito estufa, especialmente o metano, liberado pela digestão dos bois. Ou seja, a pecuária sofre com o aquecimento global, mas também contribui para ele.
Esse círculo vicioso levanta a necessidade de repensar o modelo de produção de carne no Brasil. Especialistas defendem práticas mais sustentáveis, como:
Recuperação de áreas de pasto degradado.
Integração entre lavoura, pecuária e floresta.
Redução do desmatamento para abertura de novas áreas.
Essas estratégias podem ajudar a reduzir os impactos climáticos e garantir a produção de carne de forma mais estável.
O consumidor também pode sentir a mudança no prato
Se a carne ficar mais cara e menos acessível, é possível que o consumo de proteínas alternativas aumente. Já existem movimentos no Brasil e no mundo em direção a uma dieta com mais frango, peixe, ovos e proteínas vegetais.
Além disso, empresas de tecnologia alimentar desenvolvem carnes cultivadas em laboratório e hambúrgueres vegetaiscada vez mais próximos do sabor da carne tradicional.
Embora ainda sejam produtos caros, esses alimentos podem ganhar espaço à medida que o preço da carne bovina subir.
O churrasco está em risco?
A resposta curta é: sim, a carne pode ficar mais cara por causa do aquecimento global. O impacto do clima na pecuária já é visível e tende a se intensificar nos próximos anos.
Mas não é apenas o clima que define o preço da carne: fatores econômicos e de mercado também têm grande peso. O que parece certo é que o consumidor brasileiro terá de conviver com oscilações mais frequentes — e, possivelmente, com uma carne cada vez menos acessível.
Seja por meio de adaptações no campo, políticas de sustentabilidade ou mudanças nos hábitos alimentares, a relação entre carne e aquecimento global será um dos grandes desafios da próxima década.