O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, mais conhecido como FGTS, é uma das ferramentas mais importantes do trabalhador brasileiro. Criado para proteger o trabalhador em situações como demissão sem justa causa, aposentadoria ou aquisição da casa própria, o fundo é, por lei, impenhorável, o que significa que, em regra, não pode ser tomado por credores.
Mas a vida, como sabemos, é cheia de exceções. E no caso da pensão alimentícia, a Justiça tem dado uma reviravolta interessante, equilibrando direitos patrimoniais e necessidades básicas de sustento de filhos e dependentes.
Hoje, tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconhecem que o direito à alimentação é prioridade, e que, em situações específicas, o FGTS pode sim ser usado para garantir o pagamento de pensão.
A exceção que virou precedente
A regra básica está na Lei n° 8.036/1990, que determina que o FGTS só pode ser sacado em situações previstas, como demissão sem justa causa ou aposentadoria.
No entanto, quando o assunto é pensão alimentícia, a Justiça entende que a prioridade deve ser o direito à vida e à dignidade do alimentando, normalmente crianças ou dependentes sem renda própria.
O STJ afirma que nenhum direito patrimonial pode se sobrepor ao direito à alimentação. Ou seja, mesmo que o FGTS seja destinado a proteger o trabalhador, ele pode ser acessado para pagar pensão alimentícia quando não houver outros recursos disponíveis.
Quando o FGTS pode ser usado para pagar pensão?
Apesar desse entendimento, a liberação do FGTS não é automática. O procedimento só ocorre mediante autorização judicial e depende de critérios específicos:
Dívida reconhecida judicialmente
O devedor deve ter uma dívida de pensão alimentícia determinada pela Justiça.Tentativas frustradas de outros meios de cobrança
Antes de recorrer ao FGTS, é necessário comprovar que métodos tradicionais, como bloqueio de contas bancárias ou penhora de bens, não tiveram sucesso.Comprovação de que o FGTS é a única fonte disponível
O juiz só autoriza a liberação se o fundo for o recurso acessível para garantir o pagamento.
Em resumo, a penhora do FGTS só ocorre quando esgotadas outras alternativas e a medida é considerada essencial para proteger os direitos do alimentando.
O que dizem os tribunais?
O STJ tem consolidado decisões nesse sentido, destacando que a prioridade é o direito fundamental à alimentação.
A ministra Eliana Calmon, da Segunda Turma do STJ, afirmou em uma decisão:
“A impenhorabilidade das contas vinculadas do FGTS e do PIS frente à execução de alimentos deve ser mitigada pela colisão de princípios, resolvendo-se o conflito para prestigiar os alimentos, bem de status constitucional, que autoriza, inclusive, a prisão civil do devedor.”
Ou seja, segundo a ministra, há um equilíbrio entre princípios: proteger o FGTS do trabalhador, mas também assegurar que crianças e dependentes recebam a pensão a que têm direito.
Impactos para credores e devedores
Para o credor (quem recebe a pensão):
A possibilidade de penhorar o FGTS é um alívio, principalmente quando o devedor não possui outros bens.
Permite garantir o sustento do dependente mesmo diante de obstáculos financeiros.
Para o devedor:
É um alerta de que verbas tradicionalmente protegidas podem ser acessadas se a obrigação alimentar não for cumprida.
Mesmo sem renda atual, o saldo do FGTS pode ser mobilizado judicialmente para quitar a dívida.
Essa decisão, portanto, reforça a ideia de que direitos patrimoniais não podem ser usados como escudo para descumprir obrigações básicas.
Casos práticos julgados pelo STJ
O STJ já analisou diversos casos em que o FGTS foi liberado para pagamento de pensão. Alguns exemplos:
Pai desempregado com saldo no FGTS
Um pai que estava sem renda, mas possuía um saldo considerável no fundo, teve o FGTS liberado para pagamento da pensão dos dois filhos menores de idade.Pensão vitalícia para ex-companheira
Em outro caso, a Justiça autorizou o uso do FGTS para pagamento de pensão a uma ex-companheira em situação de saúde debilitada, comprovando dependência financeira.
Esses exemplos mostram que a decisão não se limita apenas a filhos, mas se aplica a qualquer alimentando que dependa do pagamento para sobreviver.
Como solicitar a liberação do FGTS para pagar pensão?
O processo é estritamente judicial e segue passos claros:
Ação de execução de alimentos
O credor precisa ter uma ação ativa reconhecendo a dívida de pensão.Comprovação de tentativas frustradas
É necessário demonstrar que outros métodos de cobrança não funcionaram.Pedido expresso de penhora do FGTS
O juiz avaliará o caso concreto e decidirá se autoriza o saque diretamente junto à Caixa Econômica Federal.
Vale lembrar que não há liberação automática, e cada caso é analisado individualmente.
A medida é definitiva?
Não exatamente. Embora o cenário atual do STJ favoreça a liberação do FGTS em casos de pensão alimentícia, a interpretação ainda pode evoluir em instâncias superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF).
Porém, a tendência aponta para uma abordagem mais humanizada do Direito, em que direitos patrimoniais continuam protegidos, mas não podem impedir o cumprimento de obrigações essenciais à sobrevivência e dignidade do alimentando.
Reflexos para a sociedade
Proteção ao alimentando: crianças e dependentes passam a ter mais garantias de receber a pensão devida.
Alerta ao devedor: o saldo do FGTS não é mais um escudo absoluto.
Fortalecimento do judiciário: decisões mostram que a lei deve servir à função social e não apenas proteger patrimônio individual.
Essa mudança reforça o entendimento de que o Direito não existe isolado, mas precisa equilibrar interesses individuais e coletivos, especialmente quando a vida e o sustento de terceiros estão em jogo.
Dicas para quem tem direito ou dever
Para credores:
Mantenha a ação de pensão alimentícia atualizada;
Guarde provas de tentativas de cobrança;
Consulte um advogado para orientar sobre o pedido de liberação do FGTS.
Para devedores:
Regularize o pagamento da pensão;
Atualize informações na Justiça, especialmente se houver imprevistos financeiros;
Esteja ciente de que o FGTS pode ser penhorado em casos extremos.
Um passo para o Direito mais humanizado
O entendimento do STJ sobre o uso do FGTS para pagamento de pensão alimentícia é um marco que mostra que o Direito pode evoluir para atender às necessidades humanas básicas.
Mesmo que o FGTS seja uma verba protegida, a prioridade continua sendo garantir a sobrevivência e dignidade de filhos e dependentes.
Em termos práticos: nenhum direito patrimonial deve se sobrepor ao direito à alimentação. E esse princípio passa a ser reconhecido com mais clareza pelo judiciário brasileiro.
📌 Resumo rápido:
FGTS é, em regra, impenhorável;
STJ permite uso do fundo para pagamento de pensão alimentícia em situações específicas;
Liberação depende de autorização judicial e comprovação de que não há outros meios de cobrança;
Casos práticos mostram aplicação para filhos e ex-companheiras dependentes;
O judiciário busca equilibrar proteção ao trabalhador e direitos fundamentais de dependentes;
Decisão ainda pode evoluir no STF, mas representa avanço em interpretação humanizada do Direito.
