Saques na poupança disparam pelo 3º mês seguido e revelam um comportamento curioso dos brasileiros com o próprio dinheiro

Poupança tem mais saques que depósitos pelo terceiro mês seguido
Parece que o amor do brasileiro pela boa e velha poupança anda abalado. Segundo dados divulgados pelo Banco Central nesta quarta-feira (8), os saques superaram os depósitos pelo terceiro mês consecutivo, sinalizando que o bolso da população está mais apertado — e, ao mesmo tempo, que os rendimentos da caderneta perderam brilho diante de outras opções do mercado.
Em setembro, foram R$ 15,011 bilhões retirados a mais do que depositados. Esse volume é o segundo maior de 2025, atrás apenas de janeiro, quando as retiradas líquidas chegaram a R$ 26,226 bilhões. Desde o início do ano, o saldo acumulado de saques já soma R$ 78,469 bilhões.
E, convenhamos, o dado chama atenção. Afinal, a poupança ainda é o investimento mais popular do país, presente em quase todas as famílias brasileiras. Mas por que tanta gente está tirando dinheiro dela?
Rentabilidade da poupança: o vilão discreto da história
A caderneta tem uma fórmula antiga e, digamos, preguiçosa: Taxa Referencial (TR) + 0,5% ao mês, desde que a Selic esteja acima de 8,5% ao ano. Como a taxa básica de juros está atualmente em 13,25% ao ano, a poupança segue pagando aquele rendimento fixo e modesto.
De acordo com levantamento da Elos Ayta, a poupança teve rentabilidade de 0,68% em setembro e 7,86% nos últimos 12 meses. À primeira vista, parece algo razoável. Mas, quando colocamos na balança a inflação e os rendimentos de outras aplicações, o cenário muda — e muito.
Para comparar:
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CDBs atrelados ao CDI chegam facilmente a 12% ao ano;
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Tesouro Selic acompanha a taxa básica, também perto dos 13%;
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Fundos DI oferecem liquidez diária com ganhos quase o dobro da poupança.
Em outras palavras, quem deixa o dinheiro parado na caderneta está perdendo poder de compra todos os meses.
Por que os saques estão tão altos?
O movimento de retirada da poupança não é um mistério para economistas. Ele reflete um conjunto de fatores que vem se acumulando nos últimos meses.
1. Inflação e perda do poder de compra
Mesmo com a inflação controlada, os preços continuam altos. O brasileiro percebe que o salário não dá conta de tudo. A consequência? Saca a poupança para pagar contas, comprar alimentos e cobrir emergências.
O que muitos não percebem é que a taxa de juros real da poupança (descontando a inflação), na maioria das vezes, é negativa. Ou seja, o dinheiro até rende, mas perde valor no longo prazo.
2. Juros altos: o paradoxo da poupança
Pode soar estranho, mas quando a Selic sobe, a poupança não acompanha o ritmo. E é justamente isso que a torna menos atraente. Enquanto outras aplicações surfam na alta dos juros, a poupança segue com seu rendimento fixo, incapaz de competir.
Por isso, investidores estão migrando para opções mais rentáveis e igualmente seguras, como CDBs com liquidez diária ou Tesouro Direto.
3. Endividamento das famílias
Outro ponto importante é o aumento do endividamento. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio, cerca de 78% das famílias brasileiras estão endividadas.
Muitos usam a poupança como um “respiro” para quitar dívidas caras, especialmente de cartão de crédito e empréstimos pessoais. Faz sentido: melhor sacar o que tem guardado do que continuar pagando juros de mais de 300% ao ano.
4. Desemprego e incerteza econômica
Em um cenário ainda instável, com o mercado de trabalho oscilando, parte da população prefere ter dinheiro vivo ou na conta corrente, para lidar com imprevistos.
Quando o medo aumenta, o impulso de sacar cresce junto. A poupança acaba virando uma espécie de “caixinha de emergência” — mas, na prática, o dinheiro vai embora rápido.
5. Consumo e promoções
Outro fator curioso é o aumento do consumo em datas específicas. Promoções de eletrônicos, viagens e até o famoso “compra agora e paga depois” tentam o consumidor. E, quando o orçamento não fecha, a poupança vira o primeiro alvo.
O retrato econômico de outubro de 2025
Em outubro, o Brasil vive um momento misto. A economia mostra sinais de recuperação, mas o bolso das famílias ainda sente os impactos de anos difíceis.
A Selic em 15% ao ano deixa os investimentos mais sofisticados com excelente retorno. Ao mesmo tempo, a inflação segue perto dos 4,8%, corroendo lentamente o poder de compra.
Nesse cenário, o brasileiro médio está dividido entre guardar ou sobreviver.
De um lado, quem tem alguma reserva busca alternativas mais rentáveis. De outro, milhões de famílias sacam o pouco que têm para equilibrar o mês.
Poupança ainda vale a pena?
Depende. Para quem busca liquidez imediata e segurança total, a poupança ainda cumpre seu papel. O dinheiro pode ser resgatado a qualquer momento, sem taxas nem imposto de renda — algo que continua atraindo muitos pequenos poupadores.
Porém, quando o objetivo é fazer o dinheiro render, ela perde o encanto. Um simples CDB com liquidez diária já oferece o dobro do retorno.
Simulação: quanto rende investir R$ 10.000 na poupança e na renda fixa em outubro de 2025
Em outubro de 2025, com a taxa Selic fixada em 15% ao ano, a diferença entre aplicar dinheiro na poupança e em investimentos de renda fixa fica ainda mais evidente. Enquanto a poupança segue rendendo apenas 0,5% ao mês + Taxa Referencial (TR) — que atualmente é praticamente zero —, as aplicações atreladas ao CDI ou à Selic continuam entregando retornos bem superiores.
Cenário da simulação
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Valor aplicado: R$ 10.000
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Prazo: 12 meses
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Taxa Selic: 15% ao ano
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Taxa CDI (referência para CDBs): 14,90% ao ano
Comparativo de rendimento em 1 ano
Tipo de investimento | Rendimento Bruto (12 meses) | Imposto de Renda (aprox.) | Rendimento Líquido (aprox.) |
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Poupança | R$ 600 | Isento | R$ 600 |
CDB (100% do CDI) | R$ 1.490 | R$ 283 (19,9%) | R$ 1.207 |
Tesouro Selic | R$ 1.518 | R$ 288 (19,9%) | R$ 1.230 |
O comportamento do investidor brasileiro está mudando
Durante décadas, a poupança foi o investimento “automático” do brasileiro. Era simples, não exigia conhecimento e passava uma sensação de segurança.
Mas essa percepção começou a mudar. Plataformas digitais e bancos passaram a oferecer investimentos com aplicação mínima de R$ 1, rendimentos diários e resgate fácil — algo impensável há alguns anos.
Com isso, muitos brasileiros estão, finalmente, aprendendo a comparar rentabilidades e buscar alternativas mais vantajosas.
E tem um detalhe importante: o próprio Banco Central vem estimulando a educação financeira, incentivando as pessoas a entenderem como o dinheiro trabalha (ou não) quando está aplicado.
O que esperar dos próximos meses
Se a tendência continuar, a expectativa é de que os saques sigam superando os depósitos até o fim de 2025.
Especialistas explicam que isso depende de três fatores principais:
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Ritmo de queda da Selic — se os juros caírem rápido, a atratividade de outras aplicações diminui e a poupança pode voltar ao jogo;
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Controle da inflação — quanto mais estável o preço dos produtos, menor a necessidade de saques emergenciais;
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Emprego e renda — com mais dinheiro no bolso, as famílias conseguem guardar novamente.
Por enquanto, a poupança segue sendo uma espécie de “termômetro do humor econômico” do país. Quando há otimismo, os depósitos crescem. Quando há aperto, os saques disparam.
O Brasil e o desafio de poupar
O grande dilema do brasileiro não é saber onde aplicar, mas ter o que aplicar.
Segundo o Banco Central, quase 60% dos adultos no país não possuem nenhuma reserva financeira. E os que têm, guardam em média o equivalente a um mês de salário.
Nesse contexto, a poupança ainda cumpre um papel social importante. Mesmo com rentabilidade baixa, ela é a porta de entrada para o mundo dos investimentos.
E, quem sabe, para muitos, também o primeiro passo rumo à educação financeira — algo que o país ainda precisa aprender coletivamente.