Enquanto milhões de trabalhadores enfrentam o desafio diário de fazer o salário render até o fim do mês, uma nova atualização do Dieese reacende um velho debate: quanto realmente seria necessário para uma família viver com dignidade no Brasil?
O número divulgado surpreende até os mais atentos à economia — e mostra uma diferença abissal entre o que o brasileiro ganha e o que, de fato, precisaria ganhar.
A saber, em setembro de 2025, o salário mínimo ideal calculado pelo Dieese atingiu R$ 7.075,83. O valor, segundo o órgão, representa o montante necessário para cobrir todas as despesas básicas de uma família com quatro pessoas — dois adultos e duas crianças.
A cifra é mais de 4,6 vezes superior ao salário mínimo oficial de R$ 1.518, em vigor no país.
Como o Dieese chega ao novo valor do salário mínimo
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) realiza mensalmente o cálculo do salário mínimo necessário, com base no custo de vida de famílias brasileiras.
A metodologia parte do preço da cesta básica mais cara entre as 17 capitais pesquisadas. Em setembro, São Paulo registrou o maior custo, com R$ 851,82.
O levantamento leva em consideração uma ampla lista de despesas que vão muito além da alimentação. O Dieese inclui:
Alimentação: custo da cesta básica completa;
Moradia: aluguel, energia elétrica, água e gás;
Transporte: combustíveis, transporte público e manutenção de veículos;
Saúde: medicamentos, planos de saúde e consultas;
Educação: materiais escolares e mensalidades;
Vestuário: roupas e calçados;
Higiene: produtos pessoais e de limpeza;
Lazer e previdência: itens de recreação e contribuições obrigatórias.
Essa composição é inspirada no que determina o artigo 7º da Constituição Federal, que define que o salário mínimo deve garantir as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família.

Diferença entre o ideal e o real
A princípio, o contraste entre o salário mínimo oficial e o valor calculado pelo Dieese evidencia uma defasagem estrutural que se mantém há anos.
O atual piso nacional, de R$ 1.518, cobre apenas uma fração do que o estudo aponta como necessário para viver com o mínimo de dignidade.
Na prática, o salário vigente não é suficiente para cobrir todas as despesas básicas de uma família, o que obriga milhões de brasileiros a recorrerem ao crédito, a trabalhos informais ou a programas sociais como o Bolsa Família para complementar a renda.
Por que o valor ideal é tão diferente do oficial
A diferença entre o salário mínimo ideal e o oficial ocorre por diversos fatores econômicos e estruturais.
Entre os principais, destacam-se:
Inflação persistente: os preços dos alimentos e serviços essenciais continuam em alta, reduzindo o poder de compra do trabalhador;
Crescimento econômico lento: o país enfrenta dificuldades para gerar empregos com remuneração justa;
Concentração de renda: a desigualdade faz com que os ganhos de produtividade não se traduzam em aumento salarial;
Custo de vida urbano: nas grandes cidades, o valor dos aluguéis e da cesta básica ultrapassa o orçamento médio de uma família assalariada.
Essas variáveis fazem com que o salário mínimo real — ou seja, o que se pode comprar com ele — tenha ficado cada vez mais distante das necessidades reais das famílias brasileiras.
O impacto da defasagem no dia a dia
A disparidade entre o salário mínimo e o valor ideal calculado pelo Dieese tem consequências diretas na vida das famílias.
O problema vai muito além da falta de dinheiro: afeta a saúde, a educação e até as perspectivas de futuro da população.
Déficit de moradia:
O custo elevado do aluguel empurra milhões de famílias para áreas periféricas ou moradias precárias.
Em muitos casos, mais da metade da renda mensal é gasta apenas com habitação.
Acesso à saúde e educação:
Sem renda suficiente, a população depende quase integralmente do sistema público, muitas vezes sobrecarregado.
Famílias que tentam investir em planos de saúde ou escolas particulares acabam comprometendo o orçamento.
Endividamento crescente:
O desequilíbrio entre renda e custo de vida leva ao uso constante do crédito — cartão, empréstimos e consignados —, aumentando o endividamento das famílias.
Queda no consumo:
Com o dinheiro comprometido nas despesas básicas, sobra pouco para lazer, vestuário e outros setores da economia, o que também afeta o crescimento do país.
O papel do Dieese e o debate sobre o piso nacional
O cálculo do Dieese é considerado uma referência importante para sindicatos, economistas e formuladores de políticas públicas.
Embora não tenha caráter oficial, serve como termômetro para medir a defasagem do poder de compra dos trabalhadores.
O governo, por sua vez, define o salário mínimo oficial com base em projeções de inflação, PIB e política fiscal.
Desde 2023, a regra de valorização voltou a considerar o crescimento real do PIB, o que representa um avanço — mas ainda insuficiente para alcançar o valor estimado pelo Dieese.
Comparação histórica e perspectivas
Em primeiro lugar, é importante destacar que o valor de R$ 7.075,83 de setembro de 2025 não é um caso isolado.
Nos últimos 10 anos, o Dieese tem apontado que o salário mínimo necessário é, em média, quatro a cinco vezes maior que o oficial.
Essa relação permanece praticamente estável, o que indica que, mesmo com reajustes anuais, o ganho real dos trabalhadores não acompanha o aumento do custo de vida.
Para 2026, o piso nacional já está pré-definido, segundo estimativas do governo federal — um reajuste de pouco mais de 6%, insuficiente para reduzir a distância em relação ao cálculo do Dieese. Veja aqui o valor oficial para o próximo ano.
A cesta básica como espelho do país
O estudo do Dieese parte de um indicador simples, mas revelador: o custo da cesta básica de alimentos.
Ou seja, ela reflete não apenas o preço da comida, mas também o peso que o custo de vida exerce sobre diferentes regiões do país.
Em 2025, as capitais com maior custo da cesta foram São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre e Rio de Janeiro — todas acima de R$ 800.
Já em capitais do Norte e Nordeste, o valor ficou em torno de R$ 600, o que mostra as desigualdades regionais.
Mesmo assim, em nenhum cenário o salário mínimo de R$ 1.518 seria suficiente para arcar com todos os gastos previstos na metodologia do Dieese.
Poder de compra e desigualdade
O dado de R$ 7.075,83 não é apenas uma estimativa técnica: é um retrato do abismo entre o custo real de vida e a renda média da população.
Enquanto o Brasil registra avanços em indicadores como emprego formal e programas sociais, o poder de compra segue comprimido, e o acesso a uma vida digna continua fora do alcance de boa parte dos trabalhadores.
Por fim, a defasagem do salário mínimo é um dos principais reflexos da desigualdade estrutural brasileira — um problema que, mesmo após décadas de debates, ainda desafia governos e economistas.