Os números mais recentes da Caixa Econômica Federal revelam uma virada inesperada no mercado imobiliário brasileiro. Depois de anos de altas sucessivas, as reintegrações de imóveis – que ocorrem quando o banco retoma propriedades por falta de pagamento – caíram de forma expressiva no primeiro trimestre de 2025.
De janeiro a março, foram 8.762 imóveis retomados pela Caixa. Parece muito? Pois esse número representa 33,4% a menos do que o registrado no mesmo período de 2024, quando as reintegrações somaram 13.166 unidades.
E tem mais: o valor total desses imóveis caiu para R$ 1,15 bilhão, contra R$ 1,55 bilhão no ano anterior, uma redução de 25,8%. Os dados, obtidos pelo UOL via Lei de Acesso à Informação, mostram que essa é a menor quantidade para o período desde 2022, quando o número mal passou de 800 propriedades.
Mas afinal, o que está por trás dessa queda tão expressiva?
Mercado de trabalho aquecido ajudou famílias a evitar a perda do imóvel
Segundo especialistas, a grande explicação está no cenário econômico favorável.
O desemprego está no menor patamar da história, a renda média dos brasileiros subiu e muitas famílias conseguiram renegociar suas dívidas antes de perder o imóvel para o banco.
Bruno Pira, especialista em mercado imobiliário, resume bem a situação:
“Essa queda nas retomadas reflete o mercado de trabalho mais aquecido e a ampliação das renegociações com os bancos. As famílias conseguiram se reorganizar financeiramente.”
Ou seja, não foi sorte: foi o resultado direto de mais empregos, mais renda e mais negociação entre clientes e instituições financeiras.
Inadimplência em queda: o retrato por trás dos números
Outro dado chama a atenção: a inadimplência nos financiamentos da Caixa caiu bastante ao longo de 2024.
O percentual de atrasos acima de 90 dias recuou para 1,19% no ano passado, contra 1,62% em 2023.
E mesmo que no primeiro trimestre de 2025 tenha subido levemente para 1,42%, os especialistas garantem que isso não muda o cenário geral, já que as retomadas costumam acontecer após períodos muito mais longos sem pagamento.
Do recorde histórico à queda expressiva
Para entender o impacto dessa redução, vale lembrar que 2024 foi um ano atípico.
A Caixa retomou 49.935 imóveis ao longo do ano, um recorde histórico.
Antes disso, em 2023, o número já tinha sido alto: 39.591 unidades.
Essa sequência de aumentos tinha relação direta com o pós-pandemia. Durante a crise sanitária, o governo adotou medidas para evitar que famílias perdessem seus lares, como pausas nas parcelas e reduções temporárias.
Com o fim desses benefícios e a economia ainda em recuperação, muita gente não conseguiu manter os pagamentos em dia, o que levou aos recordes de retomadas em 2023 e 2024.
Agora, com a melhora do emprego e da renda, o movimento se inverteu.
E os juros altos? Influência menor do que parece
Muita gente pode pensar que o aumento dos juros afetaria diretamente o número de retomadas.
Mas não é bem assim.
Mesmo com a taxa Selic em 15% ao ano, o maior nível desde 2006, os especialistas dizem que isso tem pouca influência sobre quem já tem financiamento ativo.
Segundo Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário:
“Quem pega um empréstimo, mesmo com juros altos, normalmente tem uma programação financeira, pelo menos para um curto prazo, e dificilmente deixa de honrar as primeiras parcelas.”
Ou seja: os juros altos até dificultam novos financiamentos, mas não afetam tanto os contratos que já estão em andamento.
Crédito imobiliário desacelera, mas continua crescendo
Outro reflexo dos juros altos e das novas regras de financiamento é o ritmo mais lento da carteira de crédito imobiliário da Caixa.
Para conseguir um empréstimo, hoje o comprador precisa dar 30% de entrada no imóvel, contra 20% exigidos anteriormente.
Além disso, em muitos casos, o financiamento cobre no máximo 50% do valor do bem.
Resultado: no primeiro trimestre de 2025, a Caixa firmou 164,2 mil contratos, uma queda de 10,4% em relação ao mesmo período de 2024.
Mesmo assim, a carteira de crédito imobiliário subiu para R$ 850,4 bilhões, 12,7% a mais do que no ano passado. Foi o crescimento mais baixo desde 2022, mas ainda assim um crescimento.
Como funciona a retomada de um imóvel pela Caixa
Muita gente não entende bem como funciona o processo de retomada de imóveis por falta de pagamento.
Basicamente, a lei 9.514/97 permite que o banco notifique o cliente 15 dias após o atraso da primeira parcela.
Na prática, porém, os bancos costumam esperar até três parcelas em atraso antes de formalizar a notificação extrajudicial no cartório.
“Esse intervalo constitui uma janela crítica para negociação antes do início oficial do processo de retomada”, explica Lucas Bettim, especialista em direito imobiliário.
Após a notificação, o cliente tem até 45 dias para quitar a dívida.
Se isso não acontecer, o imóvel vai a leilão em duas etapas:
Um leilão para definir o lance mínimo do imóvel.
Outro leilão para adicionar o valor da dívida e vender o bem.
Famílias têm mais chance de renegociar antes da perda definitiva
Esse prazo de até três parcelas em atraso antes da notificação formal tem sido fundamental para que muitas famílias renegociem as dívidas e evitem perder o imóvel.
Com o emprego em alta e a renda média crescendo, os brasileiros estão aproveitando essa janela para regularizar a situação e manter o financiamento em dia.
O que esperar para os próximos meses
Mesmo com juros altos e crédito mais difícil, os especialistas não acreditam que o número de retomadas volte a subir como antes.
O principal motivo continua sendo a melhora do mercado de trabalho e a renegociação de dívidas que têm ajudado famílias a evitar a perda do imóvel.
Se nada mudar no cenário econômico, a tendência é que o número de retomadas continue estável ou até menor nos próximos trimestres.
Mas, claro, tudo vai depender da evolução da economia, do emprego e das regras para novos financiamentos.
