O Brasil atravessa um cenário preocupante de endividamento. De acordo com dados divulgados pela Serasa, em maio, o país atingiu a marca recorde de 77 milhões de inadimplentes, o maior número da série histórica. Isso significa que cerca de 38% da população adulta brasileira está com algum tipo de dívida em atraso. A soma total dessas dívidas chega a impressionantes R$ 465 bilhões, e a média por pessoa endividada é de R$ 6.036.
Esse quadro de inadimplência afeta diretamente a economia e a vida financeira das famílias, dificultando o acesso ao crédito, comprometendo a renda e, em alguns casos, levando à negativação do nome ou até mesmo à perda de bens. No entanto, quem está com contas atrasadas conta com uma série de proteções legais. Diversas normas e leis federais garantem direitos aos consumidores e impõem limites aos credores na hora de cobrar.
Neste artigo, você vai conhecer 5 leis que protegem os inadimplentes e entender como elas podem ajudar na hora de negociar ou enfrentar cobranças abusivas.
1. Lei do Desenrola (2023)
Criada em 2023, a Lei do Desenrola surgiu como um programa do governo federal para facilitar a renegociação de dívidas e reduzir o número de brasileiros negativados. Em apenas 10 meses de vigência, o programa ajudou a diminuir em 2 milhões o número de inadimplentes, segundo dados oficiais.
Um dos pontos centrais da lei é a limitação dos juros do rotativo do cartão de crédito, impedindo que a dívida ultrapasse o dobro do valor original. Antes, era comum que uma dívida de R$ 1.000 no cartão crescesse rapidamente para R$ 4.000 ou mais devido aos juros compostos exorbitantes.
“Essa regra diminui a chance de os consumidores entrarem em espirais de dívida, mas o teto atual, de 100%, ainda é bastante alto. É preciso ter cuidado”, alerta Roberto Pfeiffer, professor de direito comercial e ex-diretor do Procon.
Além disso, a lei prevê iniciativas de educação financeira e parcerias com bancos para facilitar acordos com descontos significativos, especialmente para dívidas de pequeno valor.
2. Lei do Superendividamento (2021)
A Lei do Superendividamento, aprovada em 2021, é considerada um marco para os consumidores em situação crítica. Ela trouxe mudanças importantes no Código de Defesa do Consumidor (CDC), permitindo que o devedor busque a Justiça para apresentar um plano de pagamento envolvendo todos os credores ao mesmo tempo, de forma semelhante à recuperação judicial utilizada por empresas.
“O indivíduo mais pobre, que vê as dívidas comerem a maior parte da renda, pode procurar um juiz para desenhar um programa que reúna vários credores ao mesmo tempo”, explica Fernando Eberlin, professor de direito econômico da FGV.
Outro destaque é a garantia do “mínimo existencial”, ou seja, um valor que deve ser reservado para despesas básicas, como alimentação, moradia e saúde. Atualmente, essa quantia está estimada em cerca de R$ 600.
“É um valor pequeno, que precisa ser repensado, e já existe um debate na Justiça para aumentá-lo nos próximos anos”, ressalta Eberlin.
A lei também proíbe práticas abusivas na concessão de crédito, como a falta de informações claras sobre juros e encargos, e garante o direito à renegociação justa.
3. Estatuto do Idoso (2003)
Os idosos estão entre os grupos mais vulneráveis quando se trata de dívidas e cobranças abusivas. Por isso, o Estatuto do Idoso, em vigor desde 2003, contém dispositivos específicos de proteção. O artigo 104 da lei proíbe a retenção de documentos ou cartões como forma de cobrança de dívidas de pessoas com mais de 60 anos.
“Essa previsão legal existe porque a retenção de documentos é um ato que beira a extorsão, uma forma de pressionar o idoso a pagar mais rapidamente”, destaca Roberto Pfeiffer.
O descumprimento dessa norma é crime, com pena de seis meses a dois anos de detenção, além de multa.
Além disso, instituições financeiras são obrigadas a adotar práticas transparentes na contratação de empréstimos consignados, que são muito comuns entre aposentados e pensionistas, evitando armadilhas como taxas de juros escondidas e venda casada de serviços.
4. Código de Defesa do Consumidor (1990)
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma das principais leis de proteção no Brasil, e seus dispositivos se aplicam também aos consumidores inadimplentes. Entre os artigos mais importantes, estão:
Artigo 42: O consumidor não pode ser exposto ao ridículo ou submetido a qualquer tipo de constrangimento na cobrança de dívidas.
Artigo 71: Considera crime o uso de ameaça, coação ou constrangimento físico ou moral, com pena de até um ano de detenção e multa.
Artigo 43: Garante o acesso às informações de cadastros e registros de crédito, além de limitar a negativação por uma mesma dívida a cinco anos.
“O direito à informação é um dos pilares do Código. Detalhes sobre débitos devem ser expostos de forma clara, simples e acessível”, afirma Rodrigo Salgado, professor de direito econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Em 2023, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou essas garantias ao determinar que o consumidor deve ser notificado em seu endereço antes de ser incluído nos cadastros de inadimplentes, como SPC e Serasa.
5. Constituição Federal (1988)
A Constituição Federal, a lei maior do Brasil, também traz dispositivos que protegem quem está em débito. O artigo 5º, inciso LXVII, estabelece que ninguém pode ser preso por dívida, exceto em casos de pensão alimentícia. Esse é um dos princípios mais importantes para evitar abusos e preservar a dignidade do cidadão.
Outro ponto relevante é o devido processo legal, que garante que todas as cobranças devem seguir a lei e respeitar os direitos fundamentais.
“Toda cobrança deve ocorrer sem atos desproporcionais ou vexatórios. O direito do consumidor é, inclusive, um direito fundamental na Constituição”, reforça Pfeiffer.
O retrato do endividamento no Brasil
O crescimento do número de inadimplentes no Brasil tem várias causas, entre elas o desemprego, a alta dos juros, a inflação e a falta de planejamento financeiro. Segundo a Serasa, o cenário atual é o mais grave desde o início da série histórica de registros.
Confira os principais números:
77 milhões de inadimplentes;
R$ 465 bilhões em dívidas acumuladas;
298,5 milhões de registros de débitos, um recorde histórico;
Valor médio de R$ 6.036 por pessoa endividada, um aumento de 1% em relação a abril.
Os setores que mais concentram dívidas são bancos e cartões de crédito (28%), contas de consumo como água e luz (21%) e varejo (12%). O cartão de crédito, em especial, é apontado como o maior vilão devido aos juros elevados.
Como negociar e evitar abusos?
Mesmo diante de dívidas elevadas, é possível buscar alternativas. Veja algumas dicas para lidar com a inadimplência:
Verifique suas dívidas: consulte o Serasa, SPC e outros birôs de crédito para saber exatamente quais débitos estão ativos.
Priorize dívidas com juros altos: cartões e cheque especial devem ser quitados primeiro.
Aproveite programas de renegociação: como o Desenrola Brasil, que oferece descontos de até 90% em alguns casos.
Evite aceitar propostas abusivas: leia todos os termos antes de assinar qualquer acordo.
Busque orientação jurídica: se houver cobrança vexatória, procure órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, ou um advogado.
Educação financeira como prevenção
Especialistas apontam que a educação financeira é a melhor forma de evitar o endividamento crônico. Planejar gastos, montar uma reserva de emergência e evitar o uso indiscriminado do crédito são passos essenciais para manter a saúde financeira.
Além disso, o governo e entidades privadas têm intensificado campanhas para conscientizar a população sobre os perigos do endividamento e sobre os direitos do consumidor.