Enquanto o governo federal se prepara para lançar um dos programas sociais mais esperados do ano, uma polêmica vem crescendo nos bastidores. O Gás do Povo, que promete distribuir botijões de gás gratuitamente para milhões de famílias de baixa renda, já nasce cercado de críticas. É o que aponta a reportagem do jornal Folha de São Paulo.
Representantes do setor de revenda e distribuição afirmam que os preços definidos pelo governo estão abaixo do praticado no mercado, o que torna a operação inviável em várias regiões. A tensão, que começou com a publicação dos valores no Diário Oficial da União, agora ameaça atrasar a adesão de revendedores e comprometer o início do programa.
Valores definidos pelo governo para o Gás do Povo causam impasse
A saber, s preços oficiais do Gás do Povo ficaram disponíveis em uma edição extra do Diário Oficial da União na sexta-feira (17). Eles servirão de base para o reembolso das revendas credenciadas, que fornecerão botijões gratuitamente às famílias cadastradas no CadÚnico com renda de até meio salário mínimo.
Mas, segundo o setor, os valores ficaram bem abaixo do real custo de operação. Em alguns estados, a diferença chega a R$ 30 por botijão de 13 quilos, como é o caso do Amazonas. Já em São Paulo, a defasagem é de quase R$ 16.
A Abragás (Associação Brasileira das Entidades Representativas da Revenda de Gás LP) foi uma das primeiras a se manifestar. A entidade afirma que concordou em aderir ao programa apenas se os valores fossem baseados na pesquisa de preços da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) — o que, segundo ela, não ocorreu.
Setor teme inviabilidade operacional
Em nota, a Abragás declarou que “os valores divulgados estão fora da realidade em algumas regiões do país”, e alertou que, se não houver ajustes, muitas revendas podem desistir de participar.
“Se não houver ajustes nos valores para essas regiões, ficará inviável aderir ao programa porque os valores não cobrem os custos das operações”, destacou a associação.
A entidade afirma estar em diálogo com o governo para tentar corrigir a tabela de reembolso antes do início das entregas. O objetivo é garantir que o programa não prejudique financeiramente os revendedores, que já operam com margens estreitas.

Sindigás aponta “situação desafiadora”
O Sindigás (Sindicato das Empresas Distribuidoras de Gás LP) também confirmou que os preços fixados “criam uma situação desafiadora”. No entanto, o sindicato adota um tom mais moderado e diz estar analisando caso a caso em parceria com as empresas.
Apesar dos impasses, o sindicato reforçou o compromisso do setor em apoiar o Gás do Povo, considerado um programa estratégico tanto do ponto de vista social quanto comercial. Isso porque, segundo estimativas do próprio Sindigás, o programa poderá elevar em até 8% as vendas de GLP em botijões pequenos.
Crescimento da demanda e novos investimentos
A princípio, com a entrada do Gás do Povo, o setor projeta um aumento considerável na demanda. Estima-se que o programa possa atender até 16 milhões de famílias em todo o país.
Para dar conta do crescimento, as distribuidoras calculam que será necessário fabricar entre cinco e dez milhões de novos botijões. Algumas empresas já iniciaram conversas com fornecedores, mas os acordos ainda não foram formalizados.
Segundo especialistas, essa expansão pode gerar novos empregos e movimentar a indústria metalúrgica, especialmente em regiões onde há forte presença de revendas de GLP.
Mas afinal, o que é o programa Gás do Povo?
O Gás do Povo é uma bandeira do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O objetivo é garantir o acesso ao gás de cozinha gratuito para famílias em situação de vulnerabilidade social, substituindo o antigo Vale-Gás — que oferecia um valor fixo a cada dois meses para subsidiar o custo do botijão.
Diferente do modelo anterior, o novo programa prevê a distribuição direta de botijões de 13 kg, sem necessidade de intermediação financeira.
Quem terá direito ao benefício
Terão direito ao Gás do Povo as famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) com renda mensal de até meio salário mínimo, equivalente a R$ 759 em 2025.
A prioridade será para às famílias que já recebem o Bolsa Família, especialmente aquelas com renda per capita de até R$ 218.
Outro ponto importante é o prazo de atualização cadastral: somente poderão participar famílias com o CadÚnico atualizado nos últimos 24 meses.
Como retirar os botijões do programa Gás do Povo?
A retirada do botijão deverá ser realizada pelo responsável familiar inscrito no CadÚnico, em uma revenda de GLP credenciada pelo governo.
Será necessário apresentar um documento que comprove o direito ao benefício, como:
Cartão do Bolsa Família;
Cartão bancário da Caixa Econômica Federal, utilizado para outros programas sociais;
Ou ainda documentos específicos emitidos pelo governo federal após o início oficial do programa.
Os botijões serão entregues sem custo algum ao beneficiário, sendo o reembolso integral feito pela União às revendas.

Quantidade de botijões por família
O número de auxílios anuais dependerá do tamanho da família:
Famílias com duas ou três pessoas: terão direito a quatro botijões gratuitos por ano;
Famílias com quatro ou mais pessoas: poderão receber seis botijões anuais.
Essa divisão foi estabelecida para equilibrar o consumo médio por residência, conforme estudos do Ministério de Minas e Energia (MME).
Quando o programa começa a valer
A previsão oficial é que as primeiras entregas ocorram na segunda quinzena de novembro de 2025. Contudo, ainda não foi publicado um cronograma definitivo de distribuição.
Segundo fontes do governo, a meta é que o Gás do Povo esteja plenamente operacional até março de 2026, alcançando todas as famílias elegíveis em território nacional.
O cronograma detalhado deverá ser divulgado nas próximas semanas, junto à lista de revendas credenciadas e aos procedimentos de retirada.
Impactos sociais e econômicos esperados
Especialistas avaliam que o programa pode reduzir significativamente a insegurança energética entre famílias pobres, que muitas vezes recorrem a lenha, carvão ou álcool para cozinhar.
Além disso, o Gás do Povo deve representar um impulso importante para a economia local, especialmente em regiões do Norte e Nordeste, onde o custo do gás é mais alto e o acesso é limitado.
Por outro lado, o desafio financeiro para os revendedores continua sendo o principal entrave. Sem um reajuste compatível com a realidade de mercado, há risco de desabastecimento pontual em alguns estados, caso as empresas se recusem a participar.
Governo busca consenso
Fontes ligadas ao Ministério de Minas e Energia e ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS) informaram que o governo pretende revisar os valores de reembolso nas próximas semanas, buscando um equilíbrio que permita a adesão de todas as revendas sem comprometer o orçamento público.
O Palácio do Planalto vê o Gás do Povo como um símbolo de retomada da política social e não pretende iniciar o programa com impasses que prejudiquem sua imagem.
Ainda assim, o governo admite que a execução será gradual, com ajustes regionais conforme os resultados iniciais.
Perspectiva para os próximos meses
Enquanto as negociações seguem, o setor de gás mantém expectativas divididas. De um lado, a promessa de crescimento nas vendas e fortalecimento da rede de revendas; de outro, a preocupação com a viabilidade financeira das operações.
Para as famílias inscritas no CadÚnico, o programa representa uma esperança concreta de alívio no orçamento doméstico, especialmente em um cenário de alta dos preços e baixo poder de compra.
Até a definição final, resta saber se o governo conseguirá ajustar os valores sem comprometer a sustentabilidade do programa — e, sobretudo, sem frustrar as milhões de famílias que aguardam a chegada do gás gratuito.
**Com informações do Jornal Folha de São Paulo