Escassez de mão de obra chega com força ao Nordeste em 2025: trabalhadores recusam carteira assinada com medo de perder o Bolsa Família mesmo após novas regras do governo federal que garantem transição e preservação parcial do benefício
A escassez de mão de obra, antes associada a polos industriais e ao setor de serviços, chegou com intensidade ao Nordeste agrícola em 2025. Regiões tradicionais, como o Vale do São Francisco (PE e BA), referência na exportação de uvas e mangas, e a cajucultura cearense, que depende de milhares de trabalhadores temporários, enfrentam dificuldades crescentes para preencher vagas formais de colheita.
O problema vai além de logística ou qualificação: muitos trabalhadores têm receio de assinar a carteira de trabalho e perder o Bolsa Família, benefício que, em alguns casos, representa a principal fonte de renda da família.
Mesmo com as novas regras da Regra de Proteção, em vigor desde junho de 2025, que permitem a manutenção parcial do benefício após a contratação formal, a percepção de risco ainda trava contratações.
Regras do Bolsa Família mudaram em 2025
O governo federal atualizou em maio a Regra de Proteção, mecanismo que evita a exclusão imediata do programa quando a família aumenta sua renda com emprego formal.
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Quem entrou até junho de 2025: mantém as regras antigas por até 24 meses, com limite de R$ 759 per capita.
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Quem entrou a partir de julho de 2025: fica na regra por 12 meses, recebendo 50% do valor do benefício, desde que a renda por pessoa não ultrapasse R$ 706.
A mudança foi oficializada pela Portaria MDS nº 1.084, de 14 de maio de 2025.
Na prática, isso significa que o trabalhador pode aceitar uma vaga com carteira assinada sem perder imediatamente o Bolsa Família, usufruindo de um período de transição.
O objetivo, segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), é incentivar a formalização e reduzir a dependência exclusiva do programa.
Mas na ponta, especialmente em áreas rurais, a mensagem não chega com clareza.
Vale do São Francisco: vagas abertas e desistências
No Vale do São Francisco, polo de frutas irrigadas que abastece tanto o mercado interno quanto as exportações, produtores relatam desistências de última hora de candidatos convocados para poda e colheita.
A justificativa se repete: o medo de perder o Bolsa Família.
Segundo empresários, a cada safra são abertas milhares de vagas temporárias. Parte delas segue sem preenchimento, o que compromete o ritmo da produção.
Para a uva e a manga, atrasos de poucos dias podem afetar o teor de açúcar, o calibre e até inviabilizar a exportação.
Em 2024, o problema já havia se manifestado. Em 2025, continua pressionando os produtores.
Cajucultura cearense: gargalo crônico
A cajucultura no Ceará também sofre com a escassez de temporários. Entre agosto e novembro, o setor demanda até 20 mil trabalhadores por safra.
Sem gente suficiente, os custos sobem, a colheita atrasa e parte da produção se perde no pé. O fruto fora do ponto reduz o rendimento industrial e o valor de mercado.
Produtores relatam que, mesmo oferecendo carteira assinada, não conseguem atrair candidatos em número suficiente.
O receio do corte do Bolsa Família volta a aparecer como explicação central.
Regra de Proteção gera dúvidas
Em agosto de 2025, havia 2,63 milhões de famílias na Regra de Proteção, recebendo em média R$ 365,81.
Ainda assim, trabalhadores rurais demonstram desconhecimento sobre os prazos e limites de renda permitidos.
O teto de entrada no programa continua em R$ 218 per capita, mas a regra de transição garante a permanência parcial quando há aumento de renda por emprego.
O governo reforça que a regra existe justamente para evitar a chamada “armadilha do benefício”, em que a família recusa uma oportunidade formal por medo de perder a proteção social.
Mas em municípios pequenos, com baixa presença de centros de referência de assistência social (CRAS), a comunicação não é suficiente para vencer a desconfiança.
O impacto da escassez no agro
A falta de trabalhadores impacta diretamente a produção agrícola:
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No Vale do São Francisco: cronogramas de poda e colheita atrasam, prejudicando o padrão exigido para exportação.
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Na cajucultura: frutos colhidos fora do ponto perdem rendimento industrial e valor de mercado.
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Para os pequenos produtores: manter quadros fixos entre safras é inviável, aumentando a dependência de temporários.
Outro efeito colateral é a expansão da informalidade.
Diante da resistência à carteira assinada, muitos produtores acabam optando por bicos sem registro, o que fragiliza os trabalhadores e eleva o risco de autuações trabalhistas.
Renda cresce no Nordeste, mas gargalos persistem
Paradoxalmente, o Nordeste foi a região que mais cresceu em renda do trabalho em 2024, com alta de 13% — quase o dobro da média nacional.
Esse avanço, porém, convive com bolsões de baixa qualificação e informalidade.
No campo, o desafio é conciliar a melhoria dos indicadores gerais com nichos de escassez em cadeias produtivas específicas.
Pressão por soluções
Diante do gargalo, entidades do agro defendem:
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Modelos de contratação temporária formal aliados a campanhas de comunicação sobre a Regra de Proteção.
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Incentivos pontuais ao empregador, como subsídios de transporte e alojamento, para atrair trabalhadores rurais.
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Treinamentos rápidos de mão de obra, facilitando a adaptação a diferentes tarefas agrícolas.
No Congresso, algumas propostas voltaram a defender uma ampliação da transição entre Bolsa Família e emprego formal, para dar maior previsibilidade às famílias.
Desafios para as safras 2025/2026
Os próximos meses serão um teste para a eficácia da nova regra.
No Vale do São Francisco, exportadores já apontaram riscos logísticos e de mercado, que se somam ao gargalo da mão de obra.
Na cajucultura, a safra entre agosto e novembro será decisiva.
Se não houver clareza na comunicação e adesão ao regime de transição, parte da produção pode ser perdida.
Produtores defendem que o governo federal e as prefeituras intensifiquem campanhas explicativas junto às comunidades rurais, mostrando que aceitar emprego formal não implica perder imediatamente o Bolsa Família.
Resumo do que você viu até aqui
A escassez de trabalhadores formais no Nordeste em 2025 expõe o choque entre política social e mercado de trabalho.
De um lado, o Bolsa Família garante uma rede mínima de proteção.
De outro, a agricultura regional precisa de mão de obra sazonal para manter sua competitividade.
As novas regras da Regra de Proteção são um passo para alinhar esses interesses, mas ainda enfrentam barreiras de informação e percepção.
Se a comunicação for eficaz e os incentivos à formalização forem ampliados, a safra 2025/26 poderá ser o primeiro teste bem-sucedido de equilíbrio entre inclusão social e produtividade agrícola.