Imagine fazer uma aposta cósmica, dessas que desafiam tudo o que sabemos, e só receber a confirmação cinquenta anos depois. Foi exatamente isso que aconteceu com Stephen Hawking. O físico britânico, conhecido tanto pelo brilhantismo quanto pela ousadia científica, lançou em 1971 uma ideia ousada: quando dois buracos negros se fundem, a área final resultante nunca diminui — só pode aumentar.
Pois bem, meio século depois, graças a detectores cada vez mais sensíveis e tecnologias de ponta, a aposta de Hawking foi confirmada com estilo. E não foi qualquer confirmação: a detecção do sinal chamado GW250114, feita pelo consórcio internacional LIGO-Virgo-KAGRA, entrou para a história como uma das observações mais importantes da astronomia moderna.
O que os cientistas viram
Desta vez, o palco do espetáculo cósmico foi a colisão de dois buracos negros gigantes, cada um com cerca de 30 a 35 vezes a massa do nosso Sol. Estamos falando de monstros espaciais, localizados a mais de um bilhão de anos-luz daqui. Quando se chocaram, nasceu um único buraco negro, ainda mais massivo, com cerca de 63 massas solares e girando a impressionantes 100 rotações por segundo.
E aqui está o ponto crucial: com os dados obtidos, os pesquisadores calcularam com precisão inédita a área do horizonte de eventos — aquela “fronteira” do espaço da qual nada, nem mesmo a luz, pode escapar. O resultado? O buraco negro final tinha uma área maior do que a soma das áreas dos dois originais. Exatamente como Hawking previu.
Por que isso importa tanto
Para entender o impacto, precisamos voltar a 1971. Naquele ano, Hawking sugeriu que essa regra de crescimento da área poderia ser uma espécie de “lei da física” para buracos negros. Na prática, seria como a segunda lei da termodinâmica, que afirma que a entropia — ou seja, a desordem — do universo sempre aumenta.
A diferença é que, no caso dos buracos negros, a área do horizonte de eventos se comportaria de forma semelhante à entropia: nunca diminuindo, apenas crescendo. Isso tem implicações profundas, pois conecta ideias da relatividade geral de Einstein à física quântica — dois mundos que, até hoje, os cientistas tentam unir em uma teoria definitiva.
O peso de 50 anos de espera
De lá para cá, tivemos avanços incríveis. Desde 2015, quando as ondas gravitacionais foram detectadas pela primeira vez — outro marco histórico —, os cientistas já registraram mais de 300 sinais cósmicos. Mas, até agora, nenhum havia trazido evidências tão claras para o teorema da área de Hawking quanto o GW250114.
Um dos pesquisadores do projeto, Maximiliano Isi, do Flatiron Institute, resumiu bem o sentimento:
“É a primeira vez que vemos, com tamanha clareza, que um buraco negro pode ser descrito apenas por sua massa e rotação. Isso é extraordinário.”
Ou seja, a fusão cósmica não só confirmou Hawking como também reforçou as previsões do matemático Roy Kerr, que já havia descrito como buracos negros seriam completamente definidos por dois números: massa e rotação.
Um “sussurro” que virou um grito
Os cientistas descrevem a detecção das ondas gravitacionais como ouvir um sussurro vindo do espaço profundo. E, a cada atualização tecnológica nos detectores, esse sussurro vai ficando mais alto e mais claro.
No caso do GW250114, eles dizem que não foi mais um sussurro — foi um grito cósmico. A nitidez dos dados permitiu medir com precisão impressionante todos os parâmetros da colisão: massa, rotação e área do horizonte de eventos.
Isso só foi possível graças a upgrades recentes nos detectores LIGO, nos Estados Unidos, Virgo, na Itália, e KAGRA, no Japão. Juntos, eles formam uma rede internacional que funciona como um ouvido gigantesco para captar as vibrações do universo.
As portas que agora se abrem
Com a confirmação experimental do teorema da área, a física ganha muito mais do que apenas um “ponto para Hawking”. Ela ganha novas pistas para resolver um dos maiores quebra-cabeças científicos: como conciliar a relatividade geral com a mecânica quântica.
Hoje, essas duas teorias brilham separadamente. A relatividade explica o comportamento do cosmos em grandes escalas — planetas, estrelas, galáxias. Já a mecânica quântica domina o mundo microscópico das partículas subatômicas. Mas elas não conversam bem entre si.
Os buracos negros, por sua vez, estão bem no meio desse conflito teórico. Eles são tão massivos e tão extremos que acabam unindo gravidade, espaço, tempo e física quântica em um único palco. Por isso, cada nova descoberta sobre eles traz cientistas do mundo inteiro para mais perto da sonhada Teoria de Tudo.
Um aniversário duplo para comemorar
O timing da descoberta não poderia ser mais simbólico. Exatos 10 anos após a primeira detecção de ondas gravitacionais, feita em 2015, a ciência agora confirma, de forma robusta, uma previsão feita meio século antes.
É como se o universo tivesse guardado esse presente especial para abrir só quando a tecnologia estivesse madura o suficiente para provar, sem sombra de dúvidas, que Hawking estava certo.
O que vem a seguir
Com mais de 300 eventos cósmicos registrados e detectores cada vez mais sensíveis, os cientistas acreditam que uma nova era da astronomia está só começando. Agora, não dependemos apenas da luz para estudar o universo — temos as ondas gravitacionais, que carregam informações diretas sobre os eventos mais violentos e misteriosos do cosmos.
E se, por enquanto, já estamos confirmando previsões feitas 50 anos atrás, quem sabe o que ainda vamos descobrir nas próximas décadas? Afinal, como disse Hawking certa vez: “Olhe para as estrelas e não para os seus pés. Tente dar sentido ao que você vê e se pergunte sobre o que faz o universo existir.”
