Curiosidades

Cientistas revelam como o cérebro “inventa lembranças”: entenda o que são as memórias falsas e por que todos nós já tivemos uma

Você já jurou ter guardado algo num lugar e depois descobriu que nunca colocou lá? Ou contou uma história da infância que, mais tarde, seus pais disseram que nunca aconteceu? Pois é — talvez seu cérebro tenha te pregado uma peça. O nome disso é memória falsa, e ela é mais comum do que você imagina.

Antes de culpar o esquecimento, é importante entender: não estamos falando de mentiras. Memórias falsas são lembranças de eventos que nunca aconteceram, ou de fatos reais contados de forma distorcida. E o mais curioso: elas podem parecer tão vívidas e emocionantes quanto as verdadeiras.

Como o cérebro “fabrica” lembranças

Ao contrário do que muita gente pensa, o cérebro não é uma espécie de “HD humano”. Ele não grava vídeos perfeitos do que vivemos. Em vez disso, ele reconstrói as memórias toda vez que tentamos lembrar de algo. E nesse processo de reconstrução, pequenos erros podem se acumular até transformar a lembrança completamente.

A neurociência mostra que nossas memórias são como quebra-cabeças incompletos. O cérebro usa fragmentos de informações, emoções e sensações para remontar uma história. E quando há peças faltando, ele simplesmente “inventa” partes que parecem se encaixar.

A seguir, veja os principais mecanismos que fazem isso acontecer.

1. O cérebro preenche lacunas

O cérebro é uma máquina de economia de energia. Quando ele não tem todos os detalhes de uma lembrança, preenche os espaços vazios com informações plausíveis.

Imagine que você se lembra de estar em uma sala com sofá, tapete e cortina — é bem provável que seu cérebro adicione automaticamente uma mesa de centro, mesmo que ela nunca estivesse lá. Afinal, mesas são comuns em salas de estar.

Esse processo, chamado de completar padrões, é útil para economizar esforço mental, mas pode gerar recordações falsas e convincentes.

2. Informações incorretas moldam a lembrança

A psicóloga Elizabeth Loftus, uma das maiores especialistas em memórias falsas, mostrou que basta uma sugestão externa para distorcer completamente uma lembrança.

Em um experimento clássico, ela exibiu vídeos de acidentes de carro e depois perguntou aos participantes:
Com que velocidade os carros estavam quando colidiram?
Em outro grupo, a pergunta era:
Com que velocidade os carros estavam quando bateram?

O simples uso da palavra “colidir” fez as pessoas acreditarem que os carros estavam mais rápidos. E uma semana depois, muitos juraram ter visto cacos de vidro — algo que nunca apareceu no vídeo.

O cérebro, influenciado pela forma da pergunta, criou detalhes inexistentes.

3. A ativação de associações mentais

Outro fenômeno curioso é quando o cérebro ativa palavras ou conceitos relacionados e os mistura com lembranças reais.

Por exemplo: se você ouvir uma lista com “cama”, “descanso” e “acordado”, há boas chances de acreditar que a palavra “sono” também estava na lista.

Isso acontece porque nosso cérebro organiza as informações em redes de significados, e às vezes essas conexões se confundem.

4. Quando o cérebro confunde a origem da lembrança

Chamado de má atribuição de origem, esse processo ocorre quando lembramos de algo, mas erramos a fonte da informação.

Você pode jurar que ouviu uma notícia na TV, quando na verdade leu em uma rede social.

Esse tipo de confusão é especialmente perigoso em tempos de fake news. Afinal, a repetição de uma informação falsa pode fazê-la parecer real, porque o cérebro já não lembra de onde ela veio.

5. Emoções e fatores psicológicos

Nem só de informação vive a memória. O estresse, a falta de sono e até o uso de certas substâncias podem interferir na formação de lembranças.

Emoções muito intensas, por exemplo, podem amplificar ou distorcer o que aconteceu, porque o cérebro tende a guardar o impacto emocional em vez dos detalhes concretos.

A idade também conta: quanto mais velhos ficamos, mais nossas memórias antigas são “reeditadas” pelas experiências novas.

O fascinante Efeito Mandela

Você já se confundiu sobre algo que “todo mundo lembra diferente”?

Pois bem, esse fenômeno tem nome: Efeito Mandela.

Ele acontece quando grupos inteiros compartilham uma lembrança falsa. O termo nasceu porque muitas pessoas juravam que Nelson Mandela havia morrido na prisão — quando, na verdade, ele foi libertado e morreu em 2013.

Outros exemplos famosos:

  • O personagem Monopoly Man (do jogo Banco Imobiliário) nunca usou monóculo, embora muita gente “lembre” dele assim.

  • O desenho Looney Tunes sempre teve “Tunes” com u, não “Toons”.

  • A frase “Espelho, espelho meu…” nunca foi dita exatamente assim no filme da Branca de Neve da Disney.

Essas distorções coletivas mostram o poder da influência social na memória. Quando várias pessoas repetem a mesma lembrança, o cérebro tende a aceitá-la como verdadeira.

A ciência por trás das memórias falsas

A pesquisadora Elizabeth Loftus foi pioneira ao mostrar, nas décadas de 1970 e 1980, que é possível implantar lembranças inexistentes em pessoas saudáveis.

Seu trabalho revolucionou o entendimento sobre como recordamos o passado — e teve impacto direto até na Justiça.

O experimento “perdido no shopping”

Em um de seus testes mais conhecidos, Loftus pediu ajuda aos pais de voluntários para criar uma história falsa: a de que o participante havia se perdido no shopping quando era criança.

A equipe misturou essa história com fatos reais da infância.

Resultado: cerca de 25% das pessoas realmente passaram a “lembrar” do episódio inventado — e até adicionaram detalhes, como a cor da loja ou o rosto do segurança que as ajudou.

O estudo provou que memórias falsas podem ser induzidas por meio de narrativas convincentes.

Da psicologia à neurociência

Com o avanço da tecnologia, as pesquisas migraram dos questionários para o cérebro.

Hoje se sabe que as memórias são reconstruídas toda vez que são acessadas, ativando áreas como o hipocampo e o córtex pré-frontal.

Quando lembramos de algo, o cérebro “reabre” a memória como se fosse um arquivo editável. E ao fechar novamente, ele pode gravar pequenas alterações — uma espécie de “salvar como” com erro de digitação.

Isso explica por que, ao contar uma história várias vezes, acabamos mudando detalhes sem perceber.

O impacto das fake news na criação de falsas memórias

Uma meta-análise publicada em 2024 na revista Memory, Mind & Media reuniu 13 estudos sobre o tema.
O resultado foi alarmante: quase 40% das pessoas relataram ter criado uma memória falsa após ler uma notícia falsa.

O simples ato de ler algo convincente — mesmo que seja mentira — ativa o mesmo circuito cerebral usado para lembrar de fatos reais.
Por isso, o cérebro pode arquivar a informação como se fosse verdadeira.

Essa descoberta reforça a importância da checagem de fatos e da educação midiática.

Em um mundo onde as informações circulam em segundos, nossas memórias podem ser vítimas da desinformação.

Quando a Justiça duvida da memória

O tema das memórias falsas não ficou restrito aos laboratórios.

Ele chegou aos tribunais.

Nos Estados Unidos, os estudos de Loftus foram usados para questionar testemunhos oculares, que antes eram considerados provas incontestáveis.

No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já reconheceu que a memória humana pode ser falha e influenciada por fatores externos.

Em julgamentos, isso significa que uma testemunha pode acreditar sinceramente no que diz, mesmo que o evento nunca tenha acontecido da forma relatada.

A neurociência vem ajudando a desenvolver técnicas de entrevista mais neutras, que reduzem o risco de indução de lembranças.

Por que todos nós criamos falsas memórias (e o que isso revela)

A verdade é simples e desconcertante: todo mundo tem memórias falsas.
Elas são um subproduto inevitável de como o cérebro funciona — uma mistura de eficiência e imaginação.

Se, por um lado, isso pode causar confusões, por outro mostra o quanto o cérebro humano é criativo.
Ele não apenas registra o passado, mas o recria constantemente, ajustando-o às nossas emoções, experiências e crenças atuais.

E talvez seja justamente isso que nos torna humanos: a capacidade de transformar lembranças em histórias, ainda que nem todas sejam exatamente verdadeiras.

Saulo Moreira

Saulo Moreira dos Santos, 29 anos, é um profissional comprometido com a comunicação e a disseminação de informações relevantes. Formado em Ciências Contábeis pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Salvador, descobriu sua verdadeira vocação na escrita e na criação de conteúdo digital. Com mais de 15 anos de experiência como redator web, Saulo se especializou na produção de artigos e notícias sobre temas de grande interesse social, incluindo concursos públicos, benefícios sociais, direitos trabalhistas e futebol. Sua busca por precisão e relevância fez dele uma referência nesses segmentos, ajudando milhares de leitores a se manterem informados e atualizados.… Mais »
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