O número assusta: quase 72 milhões de brasileiros estão no vermelho. Isso significa que quatro em cada dez adultos convivem com atrasos financeiros, restrições no CPF e aquele incômodo constante de não conseguir colocar as contas em dia.
Segundo dados do Banco Central, a taxa de inadimplência chegou a 4,8% em agosto de 2025, um salto em relação aos 3,5% registrados em dezembro de 2024. E o detalhe que chama mais atenção é que a pessoa física puxou a alta, mostrando que as famílias estão sofrendo mais do que as empresas.
E não adianta achar que isso é só uma “fase ruim” passageira. Os especialistas já avisam: a alta de 0,3 ponto percentual em apenas um mês mostra que o problema é estrutural e não apenas sazonal.
O que está acontecendo com o bolso do brasileiro
Mesmo com o mercado de trabalho aquecido e a renda média em alta, os juros elevados estão estrangulando os orçamentos. Quem tem dívida no cartão de crédito ou no cheque especial sabe bem do que estamos falando.
Funciona assim: a pessoa recebe o salário, paga as contas básicas — aluguel, energia, comida, transporte — e quando percebe, o que sobra não cobre nem metade da fatura do cartão. A saída? Pagar o mínimo ou deixar atrasar. Só que, no Brasil, isso é abrir a porta para a bola de neve dos juros.
Enquanto o salário sobe 5%, a dívida cresce 15%, 20%, 25% ao ano. É como correr em uma esteira que acelera sem parar: quanto mais a pessoa se esforça, mais difícil fica sair do lugar.
Onde a inadimplência mais dói
O vilão número um é o crédito não garantido, ou seja, aquele que não tem um bem atrelado. O campeão da dor é o cartão de crédito, seguido de empréstimos pessoais e dos famigerados parcelamentos longos.
Essas linhas reagem diretamente à taxa de juros. Um pequeno imprevisto — uma consulta médica, um pneu estourado, uma geladeira quebrada — já bagunça todo o orçamento.
E tem outro detalhe importante: muitos brasileiros usam crédito como extensão do salário. É como se o cartão fosse um complemento da renda. O problema é que, quando o crédito substitui o planejamento, o risco de endividamento explode.
Como isso afeta o consumo
Famílias endividadas compram menos. Primeiro, elas trocam marcas caras por versões mais baratas. Depois, adiam a compra de produtos de maior valor, como eletrodomésticos e eletrônicos.
Isso cria um efeito dominó:
O varejo sente a queda no tíquete médio.
A indústria percebe os pedidos encolhendo.
E o setor de serviços começa a registrar menos procura.
Em paralelo, as próprias empresas sofrem: com clientes inadimplentes, precisam provisionar mais perdas, encaram juros maiores para manter o capital de giro e ainda lidam com funcionários estressados pelas dívidas, o que afeta até a produtividade.
Mercado de trabalho não está dando conta
É verdade que o Brasil vive um momento de emprego aquecido, com mais contratações e aumento de renda em alguns setores. Mas isso, por si só, não tem sido suficiente para compensar a pressão dos juros.
O motivo é simples: mesmo quem consegue emprego novo, muitas vezes já chega carregado de dívidas antigas. Além disso, o trabalho informal continua forte, e esse grupo é mais vulnerável a choques financeiros.
Basta uma despesa extra para bagunçar o planejamento. Uma consulta médica fora do SUS, um conserto no carro, uma conta de energia mais alta que o normal… qualquer imprevisto pode jogar a família direto na inadimplência.
Por que a inadimplência subiu agora
Alguns fatores explicam o salto:
Custo do dinheiro: com a taxa básica de juros ainda elevada, todas as linhas de crédito ficaram mais caras.
Efeito bola de neve: atrasos geram juros, juros aumentam a parcela, e a parcela maior gera mais atraso.
Despesas essenciais: reajustes de moradia, alimentação e energia comprimem a renda.
Falta de folga no orçamento: quando não sobra nada, a primeira saída é atrasar o pagamento.
O que pode aliviar essa pressão
No campo macroeconômico, só existe uma bala de prata: juros mais baixos. Uma trajetória de redução consistente da Selic tende a baratear renegociações, reduzir spreads e destravar o consumo.
Mas no nível micro, algumas soluções já estão em prática:
Feirões de renegociação organizados por bancos e pelo Serasa.
Plataformas digitais que permitem simular trocas de dívidas caras por linhas mais baratas.
Educação financeira oferecida por empresas a seus funcionários, que ajuda a reduzir o estresse dentro e fora do trabalho.
Quatro movimentos práticos para famílias
Sem tom publicitário e sem fórmulas mágicas, aqui vão quatro passos que funcionam na vida real:
Orçamento realista e visível – anote tudo: salário, gastos fixos, extras e até o cafezinho. Visualizar o fluxo ajuda a cortar o supérfluo.
Priorize as dívidas mais caras – se tiver que escolher, ataque primeiro o rotativo do cartão. É o que cresce mais rápido.
Renegocie cedo – não espere a dívida virar uma bola de neve. Quanto antes você procurar o credor, melhores as condições.
Construa uma reserva possível – não precisa ser muito. R$ 20 ou R$ 50 por mês já viram um colchão de segurança.
O que acompanhar daqui para frente
Três sinais vão mostrar se a inadimplência vai continuar subindo ou começar a ceder:
Trajetória dos juros – se caírem de forma consistente, o fôlego volta.
Evolução da renda real – aumentos salariais que superam a inflação aliviam o bolso.
Concessão de crédito – não apenas o volume, mas a qualidade das operações. Crédito seletivo demais trava o consumo; crédito frouxo demais alimenta a inadimplência.
Para as empresas, vale monitorar de perto:
Indicadores de atraso por faixa de dias.
Índice de renegociação bem-sucedida.
Níveis de inadimplência por produto ou serviço.
Assim, dá para ajustar políticas de crédito e vendas sem sufocar o negócio.
Um alerta que não pode ser ignorado
O avanço da inadimplência para 4,8% em agosto não é apenas um dado estatístico escondido em tabelas do Banco Central. É um sinal claro de pressão no orçamento das famílias e de risco para a economia.
Quase 72 milhões de pessoas no vermelho significa menos consumo, mais cautela dos bancos e pressão nas empresas.
A saída não está em mágica, mas em uma combinação de fatores: juros mais baixos, renegociações eficientes e disciplina financeira. Do contrário, o Brasil pode ver a economia patinar justamente quando parecia que o emprego e a renda estavam dando algum respiro.
