Um inventor brasileiro voltou a ganhar repercussão nacional após afirmar ter desenvolvido um carro movido a água, capaz de alcançar até 1.000 km de autonomia por litro. O criador, Roberto de Souza, diz que pretende comercializar o kit de adaptação por menos de R$ 2 mil, tornando a tecnologia acessível a motoristas e oficinas em todo o país.
A proposta, que já circula em reportagens e redes sociais há quase uma década, desperta curiosidade, esperança de economia e também desconfiança da comunidade científica, que aponta limitações físicas e técnicas no conceito de “carro a água”.
Como funciona o sistema apresentado
De acordo com o inventor, o kit é composto por um reservatório de água destilada e um gerador de eletrólise. O processo divide a molécula de água em hidrogênio e oxigênio. O hidrogênio seria direcionado ao coletor de admissão do motor original, funcionando como combustível.

Souza explica que a adaptação não altera profundamente o motor e pode ser aplicada em veículos movidos a gasolina, etanol ou GNV. Entre as vantagens apontadas estariam:
Baixíssimo custo por quilômetro rodado;
Menor emissão de poluentes, já que a reação gera apenas vapor de água;
Redução de ruído durante a combustão;
Autonomia inédita, estimada em até 1.000 km por litro de água destilada.
Segundo o inventor, o consumo médio ficaria próximo a R$ 3 por litro de água, valor bem abaixo do preço dos combustíveis tradicionais.
Histórico e testes alegados
A história de Roberto de Souza não é nova. Em 2016, reportagens locais relataram que ele havia adaptado um Chery S18, rodando de São Paulo ao Rio de Janeiro com apenas 1,5 litro de água destilada no sistema. Na época, a promessa de 1.000 km por litro já era mencionada.
Em 2023 e 2025, novas matérias e vídeos resgataram o caso, reforçando a estimativa de autonomia e o baixo custo do kit. No entanto, nenhum relatório técnico, teste em laboratório ou auditoria independente foi divulgado até agora.
Ou seja, o projeto se mantém sem comprovação científica formal, sustentado por depoimentos do próprio criador e reproduções em canais alternativos de comunicação.

O que diz a ciência sobre “carro movido a água”
Para especialistas em energia e engenharia automotiva, a proposta enfrenta um obstáculo básico: água não é combustível. Ela é, na verdade, o resultado final da combustão do hidrogênio.
O processo de eletrólise, que divide a água em hidrogênio e oxigênio, exige grande quantidade de energia elétrica. Quando essa energia vem do alternador do carro, alimentado pelo próprio motor, o rendimento cai drasticamente.
Isso significa que, na prática, gasta-se mais energia para produzir o hidrogênio do que se recupera ao queimá-lo. Por isso, a comunidade científica costuma classificar projetos que prometem mover carros apenas com água como pseudociência.
Divulgadores técnicos reforçam: quando o sistema é alimentado pelo motor do carro, “a conta não fecha”.
Questões de segurança e regulamentação
Além das limitações energéticas, existe o fator segurança. O hidrogênio é um gás altamente inflamável, exigindo equipamentos certificados para armazenamento, transporte e uso em veículos.
No Brasil, qualquer alteração no sistema de alimentação automotiva precisa seguir normas do Inmetro e passar por inspeções veiculares reconhecidas.
Atualmente, portarias regulamentam o uso de kits de GNV (gás natural veicular), mas não contemplam kits de eletrólise on-board, como o de Souza. Isso significa que, mesmo que houvesse eficiência comprovada, a comercialização em larga escala estaria travada por barreiras legais e de seguro.
O “carro a água” na história
A ideia de mover veículos com água não é nova. Desde o século passado, surgem patentes e projetos envolvendo o chamado oxihidrogênio (HHO), usado originalmente em soldagem.
Durante períodos de crise de combustível, multiplicam-se anúncios de kits que prometem grande economia a partir da geração de hidrogênio “sob demanda”.
Em 2022, a revista Quatro Rodas revisitou casos famosos de “motores a água” e concluiu que a falta de testes independentes abre espaço para soluções comerciais enganosas.
O que diz o inventor
Apesar das críticas, Roberto de Souza garante que pretende levar o projeto adiante. Seu objetivo, segundo declarações recentes, é “massificar o acesso ao kit”, oferecendo treinamento para oficinas e vendendo o conjunto por menos de R$ 2 mil.
Ele afirma não querer “engavetar a ideia”, mas transformá-la em “domínio público”, permitindo que qualquer pessoa se beneficie.
Até o momento, porém, não há homologação técnica, ensaios padronizados ou certificações oficiais que comprovem a autonomia prometida.

Relatos e limites da proposta
Relatos de usuários de kits semelhantes ao HHO apontam que a economia, quando existe, é limitada e depende de condução extremamente moderada. Em acelerações mais fortes, o carro volta a consumir combustível convencional.
Sem testes laboratoriais auditados, é impossível saber se a autonomia anunciada — 1.000 km por litro de água — é reprodutível ou apenas um número estimado.
A experiência internacional com veículos a hidrogênio reforça essa visão: os modelos já em circulação, como Toyota Mirai e Hyundai Nexo, não usam eletrólise a bordo. Eles são abastecidos com hidrogênio comprimido produzido externamente.
O que falta para se tornar realidade
Para que a invenção avance, seriam necessários:
Ensaios técnicos independentes em laboratórios ou universidades;
Homologação junto ao Inmetro e órgãos de trânsito;
Protocolos de segurança para manuseio do hidrogênio;
Relatórios de eficiência energética que comprovem ganhos reais.
Sem esses passos, a proposta permanece como curiosidade tecnológica, sem aplicação comercial em larga escala.
Considerações finais
O anúncio de um carro movido a água com autonomia de 1.000 km por litro chama atenção pela ousadia e pelo apelo popular em tempos de combustíveis caros. No entanto, do ponto de vista científico e regulatório, a ideia ainda carece de comprovação.
Enquanto Roberto de Souza afirma querer democratizar o acesso ao kit por menos de R$ 2 mil, especialistas alertam que a física e as normas de segurança são barreiras concretas.
A invenção pode até inspirar debates sobre alternativas energéticas, mas, por ora, segue sem validação que permita classificá-la como revolução. A grande questão permanece: estamos diante de um futuro promissor ou apenas mais um capítulo da longa história do “carro movido a água”?
