O setor de carnes brasileiro enfrenta um dos momentos mais desafiadores da última década. Com a imposição de uma tarifa adicional de 50% pelos Estados Unidos — até então o segundo maior comprador de carne bovina do Brasil — as exportações ficaram praticamente inviáveis. O impacto foi imediato: contratos suspensos, negociações travadas e incertezas no horizonte para pecuaristas e frigoríficos.
Mas, em meio à turbulência, uma nova oportunidade surgiu. O Brasil fechou acordo com as Filipinas, país do Sudeste Asiático que já figurava entre os maiores compradores da carne nacional e agora amplia ainda mais seu espaço nas importações. A medida foi vista pelo setor como um passo estratégico para manter a expansão das exportações, mesmo diante da perda de um mercado tão relevante como o norte-americano.
EUA fora do jogo: tarifa de 50% inviabiliza exportações
O cenário se deteriorou rapidamente em 2025. Em abril, os EUA impuseram tarifas de 10% sobre diversos produtos brasileiros, incluindo café, frutas, têxteis e carne. Pouco depois, em julho, o percentual subiu para 50%, com validade a partir de 6 de agosto.
No caso da carne bovina, o impacto foi direto. Em 2024, o Brasil havia exportado 229 mil toneladas para os EUA, sendo 60% delas destinadas à carne usada em hambúrgueres. A expectativa para 2025 era ainda maior: cerca de 400 mil toneladas. Essa previsão, no entanto, desmoronou com a decisão do governo norte-americano.
Produtores e exportadores afirmam que não há como competir com tarifas tão altas, que praticamente dobram o preço do produto ao chegar ao mercado americano. O resultado foi o congelamento de pedidos e, em muitos casos, a suspensão de contratos que já estavam em andamento.
Poucos dias após a nova taxação entrar em vigor, consumidores nos EUA sentiram o reflexo. Brasileiros que vivem no país relataram que o preço da carne bovina disparou, chegando a US$ 69 o quilo em alguns estados. O aumento acendeu um alerta sobre os efeitos da política tarifária também no consumo interno norte-americano.
Filipinas: novo destino para a carne bovina brasileira
Se, por um lado, o Brasil perdeu o mercado norte-americano, por outro conquistou uma vitória diplomática e comercial importante. Em 13 de agosto, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) confirmou a abertura do mercado das Filipinas para a carne bovina com osso e também para miúdos — produtos com alta demanda no país asiático.
A negociação foi conduzida pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), em parceria com a ApexBrasil e com o apoio da Embaixada do Brasil em Manila. O anúncio oficial ocorreu durante o Brazilian Beef Dinner, evento que reuniu 200 convidados e 20 empresas associadas.
As Filipinas já ocupavam a sexta posição entre os maiores compradores da carne brasileira e são atualmente o segundo maior mercado no Sudeste Asiático. Hoje, o Brasil responde por 40% das importações de carne bovina do país, mas a expectativa é de crescimento significativo, especialmente com a inclusão de cortes de maior valor agregado.
Segundo Julio Ramos, diretor de Assuntos Estratégicos da Abiec, a ampliação de acesso representa uma conquista histórica:
“Conseguimos diversificar destinos em um momento crítico para o setor. As Filipinas oferecem grande potencial, não apenas pelo consumo interno crescente, mas pela possibilidade de o país se tornar uma porta de entrada para outros mercados do Sudeste Asiático.”
Participação em evento estratégico
A missão da Abiec às Filipinas também marcou sua estreia na WOFEX, a maior feira de alimentos e bebidas do país. A participação brasileira ocorreu dentro do projeto Brazilian Beef, que busca promover a qualidade da carne bovina nacional em mercados estratégicos.
Durante o evento, foram destacadas as características que diferenciam a carne brasileira: diversidade de cortes, sistema de rastreabilidade, padrões sanitários reconhecidos internacionalmente e preços competitivos. A estratégia é conquistar consumidores e importadores locais em um mercado cada vez mais exigente e em crescimento acelerado.
Impacto econômico: Brasil tenta evitar retração
A perda do mercado norte-americano não afeta apenas a cadeia da carne bovina. Segundo estimativas de instituições financeiras como o J.P. Morgan, cada aumento de 10 pontos percentuais nas tarifas dos EUA pode reduzir o PIB brasileiro entre 0,2% e 0,3%. Com a taxação chegando a 50%, a retração pode alcançar até 1,2% da atividade econômica nacional.
Setores como café, frutas, calçados, eletrônicos e têxteis também foram atingidos. Para tentar reduzir os danos, o governo brasileiro anunciou o pacote “Soberania-Brasil”, que prevê:
R$ 30 bilhões em linhas de crédito via Fundo Garantidor de Exportações;
R$ 4,5 bilhões em apoio direto a pequenas empresas;
Desonerações fiscais para exportadores;
Compras públicas estratégicas de produtos impactados.
O objetivo é dar fôlego ao setor produtivo e evitar uma queda brusca na produção e no emprego.
Dependência da China aumenta
Com os EUA fora do radar, o Brasil reforça ainda mais sua dependência da China, que já é o maior comprador da carne bovina nacional. A abertura das Filipinas ajuda a diversificar mercados, mas especialistas apontam que o peso chinês nas exportações brasileiras deve crescer ainda mais em 2025.
A concentração preocupa analistas, que defendem uma estratégia de longo prazo para ampliar destinos, evitando vulnerabilidades em momentos de crises comerciais e políticas.
O futuro das exportações brasileiras de carne
O episódio envolvendo os EUA expôs a necessidade urgente de o Brasil diversificar mercados e reduzir a dependência de grandes compradores. Embora a abertura das Filipinas seja uma vitória significativa, especialistas afirmam que ainda é insuficiente para compensar a perda total do mercado norte-americano.
Por outro lado, a conquista mostra que há espaço para o Brasil se fortalecer em mercados alternativos, especialmente no Sudeste Asiático, Oriente Médio e África. Países em desenvolvimento, com crescimento acelerado da população e da renda, podem se tornar parceiros estratégicos na próxima década.
Para produtores e frigoríficos, o desafio será adaptar-se rapidamente às exigências desses mercados, investindo em qualidade, sustentabilidade e rastreabilidade, pontos cada vez mais valorizados pelos consumidores internacionais.
Considerações finais
O Brasil perdeu um de seus maiores clientes de carne bovina com a tarifa imposta pelos Estados Unidos, mas mostrou capacidade de reação ao conquistar a abertura do mercado das Filipinas. O acordo abre novas perspectivas em um momento crítico e reforça a importância da diplomacia comercial para o agronegócio brasileiro.
A situação, no entanto, também serve de alerta: depender excessivamente de poucos mercados pode fragilizar a economia em tempos de crise. O futuro das exportações brasileiras de carne passa, necessariamente, pela diversificação de destinos e pela busca de maior valor agregado em seus produtos.