Pouca gente percebeu, mas o Brasil está prestes a viver o fim de uma era no sistema bancário. Uma decisão tomada por um dos maiores bancos do país vai modificar de forma definitiva a maneira como milhões de pessoas realizam pagamentos e transações. O aviso foi enviado de forma discreta, mas traz uma mensagem clara: o cheque — símbolo de uma geração — está com os dias contados.
O Bradesco anunciou que vai encerrar a emissão de talões de cheque para pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs) a partir de dezembro deste ano. A medida, que não afeta as contas empresariais, reflete o declínio quase total do uso do cheque como meio de pagamento no país.
Aviso oficial aos clientes do Bradesco sobre o encerramento das emissões de cheques
A saber, os clientes começaram a receber notificações pelo aplicativo e pelos canais oficiais do banco. No comunicado, o Bradesco informa que, “por comodidade”, os correntistas devem adotar outros meios de pagamento, como o Pix, as transferências eletrônicas (TED e DOC) e os cartões de débito e crédito.
O banco reforça que a decisão acompanha o comportamento dos clientes, cada vez mais conectados e acostumados com transações instantâneas e gratuitas. O movimento segue a tendência global de digitalização bancária, em que o papel cede espaço à tecnologia.
O que muda para pessoas físicas e MEIs?
Com o fim da emissão de cheques, pessoas físicas e MEIs não poderão mais solicitar novos talões a partir de dezembro. No entanto, os cheques já emitidos continuarão válidos até sua compensação normal, respeitando os prazos de validade impressos nos documentos.

Já as contas corporativas e empresariais continuarão podendo solicitar e utilizar cheques normalmente, principalmente para pagamentos de fornecedores, transações comerciais e operações que ainda exigem esse tipo de instrumento.
O declínio do cheque no Brasil
O cheque já foi um dos principais meios de pagamento no país. Em 1995, mais de 3,3 bilhões de cheques eram compensados por ano. Trinta anos depois, esse número despencou 96%, chegando a apenas 137 milhões em 2024, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Os números deixam clara a transformação do sistema financeiro brasileiro: enquanto os cheques somaram 35,8 milhões de compensações no segundo trimestre de 2025, o Pix ultrapassou 19,4 bilhões de transações no mesmo período.
Em valores, o contraste é ainda maior. Os cheques movimentaram R$ 173,3 milhões, enquanto o Pix movimentou R$ 84 bilhões, segundo o Banco Central. A última vez em que o cheque superou o Pix em volume financeiro foi em 2020, ano de lançamento do sistema instantâneo.
Afinal de contas, por que o Bradesco tomou essa decisão?
A decisão do Bradesco não é isolada. Ela segue um padrão de modernização e redução de custos operacionaisobservado em todo o setor bancário. A manutenção do sistema de compensação de cheques envolve custos logísticos e tecnológicos elevados, além de riscos de fraude.
Segundo o banco, a decisão acompanha a transformação digital e o comportamento do consumidor moderno, que busca soluções rápidas e acessíveis. O Pix se tornou o principal aliado dessa mudança, oferecendo agilidade, segurança e disponibilidade 24 horas por dia, inclusive em feriados e finais de semana.
Como funciona o cheque — e por que ele ficou obsoleto
O cheque é uma ordem de pagamento à vista emitida por quem possui conta-corrente. Ele pode ser usado de duas formas principais:
Desconto em dinheiro: o beneficiário pode sacar o valor diretamente na agência do emitente.
Depósito em conta: o cheque é depositado e o valor é creditado após a compensação bancária.
Os prazos de compensação variam de acordo com a localidade:
Cheques da mesma praça (cidade): até 2 dias úteis.
Cheques de outra praça: até 4 dias úteis.
Essa demora, somada à alta incidência de cheques sem fundo e à necessidade de deslocamento até uma agência, tornou o meio de pagamento pouco prático diante da instantaneidade do Pix e das transferências online.
Cheques corporativos continuam válidos
Embora o Bradesco tenha encerrado o serviço para pessoas físicas e MEIs, as empresas continuarão podendo emitir cheques. A justificativa é que, em alguns segmentos, esse meio de pagamento ainda é exigido, principalmente em contratos de prestação de serviço, garantias comerciais e transações de alto valor que envolvem auditorias ou obrigações fiscais.
Além disso, o depósito de cheques corporativos pode ser feito diretamente pelo aplicativo Net Empresa, em um processo digital simples:
Acesse o app e vá até “Depósito de Cheque”;
Tire fotos da frente e do verso do documento;
Insira o valor e confirme com a chave de segurança.
Cheque especial e juros elevados
Vale lembrar que o cheque especial, embora leve o mesmo nome, é um produto diferente. Trata-se de um crédito pré-aprovado na conta-corrente, que gera juros automáticos ao ser utilizado.
No Bradesco, as taxas variam conforme o perfil do cliente, mas podem ultrapassar 8% ao mês, o que faz desse tipo de crédito uma opção de uso emergencial e de curto prazo. O banco recomenda que seja usado apenas em situações pontuais, para evitar endividamento.
Avanço da tecnologia
O avanço da tecnologia e da bancarização digital transformou radicalmente a forma como o brasileiro movimenta seu dinheiro. Hoje, mais de 70% das transações bancárias já ocorrem por canais digitais, segundo a Febraban.
Com o Pix, lançado em novembro de 2020, o país atingiu um dos sistemas de pagamento mais modernos do mundo. São milhões de transações por minuto, com segurança criptografada e validação em tempo real, sem cobrança de tarifas para pessoas físicas.
Essa revolução reduziu drasticamente o espaço para meios de pagamento tradicionais, como TED, DOC e cheques, que envolvem taxas, prazos de compensação e maior burocracia.
Por que o cheque ainda sobrevive
Mesmo com a forte queda, o cheque ainda tem um nicho específico de utilização. Ele segue presente em:
Locações de imóveis, como forma de caução;
Negociações comerciais de alto valor, quando há necessidade de registro físico;
Comércios locais e regiões com baixa conectividade, onde as alternativas digitais são limitadas;
Público mais idoso, que ainda prefere lidar com instrumentos físicos.
Segundo dados do Banco Central, o valor médio dos cheques compensados em 2024 foi de R$ 3.800, mostrando que ele é usado em transações mais robustas, mesmo com a queda no volume total.
O cheque no Brasil em números
1995: 3,3 bilhões de cheques compensados.
2024: 137,6 milhões de cheques, movimentando R$ 523,19 bilhões.
Queda acumulada: cerca de 96%.
2025 (1º semestre): 50 milhões de cheques compensados, movimentando R$ 211 bilhões, queda de 21,9% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Participação atual: apenas 0,5% das transações financeiras do país.
O futuro dos meios de pagamento, como fica?
Com o desaparecimento do cheque para pessoas físicas, o sistema financeiro brasileiro entra definitivamente na era 100% digital. A tendência é que novos produtos substituam de forma definitiva qualquer necessidade de papel.
O Pix Automático, previsto para 2026, permitirá o agendamento de contas recorrentes, como água, luz e internet, eliminando até mesmo a necessidade de boletos.
O Banco Central também estuda o Drex, a moeda digital brasileira, que permitirá transferências e pagamentos programáveis, integrando o real ao ambiente blockchain.
Para o Bradesco e demais instituições, o foco agora está em educação financeira digital e segurança cibernética, garantindo que todos — inclusive os mais conservadores — possam migrar de forma tranquila para o universo sem papel.
