Adeus, Itaú: Agência de grande porte anuncia encerramento em 05/11 e expõe a transformação silenciosa dos bancos
A avenida Tancredo Neves, no coração do bairro Caminho das Árvores, em Salvador, é uma das regiões mais movimentadas e simbólicas da capital baiana. Nela, há mais de três décadas, uma agência do Itaú funcionava como referência para milhares de clientes — até agora.
O banco confirmou que a unidade encerrará suas atividades em 5 de novembro, pegando funcionários e correntistas de surpresa. Fundada em 1992, a agência atendia cerca de 20 mil clientes e contava com 28 funcionários, muitos deles com décadas de casa. O anúncio, que parecia apenas mais uma notícia corporativa, acabou se transformando em um símbolo de uma transformação maior no sistema bancário brasileiro.
Protestos e indignação entre funcionários
Na quarta-feira (17), o clima em frente à agência foi de protesto. Faixas, apitos e palavras de ordem ecoaram na avenida. Bancários e representantes sindicais tentavam chamar atenção para o que chamam de “fechamento sem justificativa social”.
“É uma agência tradicional, reformada há pouco tempo e referência para empresas e famílias da região”, disse Luciana Dória, diretora da Federação dos Bancários da Bahia e Sergipe. “A decisão trouxe indignação e perplexidade. É como se a história de quem trabalhou e construiu essa unidade fosse apagada de um dia para o outro.”
O sentimento é compartilhado pelos clientes, muitos dos quais têm contas abertas ali há décadas. Alguns relatam preocupação com o atendimento digital e afirmam que a convivência pessoal com os funcionários era parte essencial da experiência bancária.
Por que o Itaú está fechando agências mesmo com lucro bilionário
O fechamento da agência de Tancredo Neves não é um caso isolado. Apenas entre janeiro e julho de 2025, o Itaú fechou 197 agências em todo o país, segundo dados do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Outras 28 estão em processo de encerramento. No mesmo período, 4.475 funcionários foram demitidos.
Ao mesmo tempo, o banco registrou lucro líquido de R$ 11,5 bilhões no segundo trimestre de 2025, um crescimento de 14,3% em relação ao mesmo período de 2024.
Ou seja: o problema não é financeiro.
O Itaú justifica as medidas afirmando que os clientes estão cada vez mais migrando para os canais digitais, como o aplicativo e o internet banking. O discurso oficial aponta para uma “reestruturação nacional” e uma adaptação ao novo perfil de consumo.
Mas o sindicato vê a situação de forma bem diferente.
A outra face da digitalização: exclusão e insegurança
De acordo com a Federação dos Bancários, a narrativa de digitalização esconde um problema social crescente: a exclusão digital.
“Muitos clientes não têm acesso à internet de qualidade ou simplesmente não se sentem seguros em usar aplicativos bancários. E são justamente esses que mais sofrem com os fechamentos”, afirma Dória.
Além disso, os golpes virtuais se multiplicaram. Apenas em 2025, o número de fraudes bancárias no ambiente online aumentou mais de 40% em comparação ao ano anterior, segundo dados da Febraban. Isso reforça a percepção de que a tecnologia, embora eficiente, ainda não é acessível nem segura para todos.
Outras agências também fecharam em Salvador
A unidade de Tancredo Neves é apenas a quarta grande agência a encerrar as atividades em Salvador este ano. Antes dela, as agências de Brotas, Cabula e Imbuí também fecharam as portas, deixando mais de 70 mil clientes sem atendimento presencial.
No interior da Bahia, a situação é ainda mais delicada. Em Chorrochó, a Justiça precisou intervir para impedir o fechamento da única agência do Bradesco da cidade, garantindo que a população não ficasse totalmente sem acesso bancário.
Esses casos reforçam um alerta: as cidades menores correm o risco de virar desertos bancários, dependendo exclusivamente de correspondentes e aplicativos, o que fragiliza o atendimento e a inclusão financeira.
Demissões em massa e home office: o outro lado da reestruturação
O fechamento de agências não veio sozinho. Em setembro, o Itaú protagonizou um dos maiores cortes de pessoal do ano, desligando cerca de mil funcionários em todo o país.
Segundo informações do Sindicato dos Bancários, aproximadamente 160 desses desligamentos ocorreram na área de Tecnologia da Informação (TI), em São Paulo.
O motivo alegado? Uma “revisão criteriosa de condutas no home office” e problemas com o registro de jornada de trabalho.
Na prática, o banco alegou que alguns funcionários apresentavam baixa produtividade durante o trabalho remoto — um argumento que gerou polêmica.
Monitoramento e polêmica no trabalho remoto
A informação de que o Itaú estaria monitorando a produtividade dos funcionários em home office despertou um debate sobre privacidade e condições de trabalho.
De acordo com relatos de trabalhadores, o banco usava sistemas de acompanhamento digital para medir o tempo de atividade e a performance durante o expediente.
O problema é que, segundo o sindicato, muitos desligamentos ocorreram sem diálogo prévio e sem considerar fatores externos, como problemas técnicos, sobrecarga ou mudanças na rotina de trabalho remoto.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) chegou a ser acionado em julho de 2025 pelo Sindicato dos Bancários do Ceará, que pediu investigação sobre a política de monitoramento digital e demissões em massa.
Acordo e compensação: até 10 salários extras
Após as críticas, o Itaú propôs um acordo com o sindicato, oferecendo até 10 salários extras aos funcionários desligados em regime de home office.
Embora o valor tenha sido considerado uma compensação importante, o movimento sindical apontou que o dinheiro não substitui o desgaste emocional e a insegurança gerada entre os trabalhadores.
O sentimento entre os bancários é de incerteza: se o banco mais lucrativo do país está cortando pessoal e fechando unidades, o que esperar das demais instituições?
Um setor inteiro em transformação
Os bancos brasileiros vivem uma transformação acelerada. De 2016 a 2025, mais de 4.000 agências foram fechadas em todo o país, segundo levantamento da Febraban.
O avanço dos aplicativos, o surgimento das fintechs e a popularização do PIX mudaram completamente a forma como os brasileiros lidam com o dinheiro. Hoje, 80% das operações bancárias já são feitas por canais digitais.
Mas há um detalhe importante: essa transformação não é neutra.
Ela afeta empregos, muda relações de trabalho e altera a forma como as pessoas se relacionam com o sistema financeiro. No caso do Itaú, o contraste entre lucros bilionários e cortes de pessoal se tornou o símbolo de uma nova era: a dos bancos enxutos, tecnológicos — e cada vez mais distantes.
Os novos “bancos invisíveis”
Para especialistas, o fechamento de agências físicas representa um fenômeno global. O professor Henrique de Vasconcelos, economista da Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que os bancos caminham para se tornarem “instituições invisíveis”.
“Hoje, o cliente praticamente não vê o banco. Ele usa o aplicativo, o chat, o Pix. O atendimento humano está desaparecendo. Isso reduz custos, mas também desumaniza as relações financeiras”, comenta.
Segundo ele, o desafio está em equilibrar eficiência tecnológica com inclusão social. “O Brasil ainda é um país desigual. O sistema financeiro não pode se afastar da população que mais precisa dele.”
E os clientes da Tancredo Neves?
Com o fechamento da unidade, os clientes da agência Tancredo Neves serão transferidos para a agência Iguatemi (0935), também em Salvador.
O Itaú informou que o processo ocorrerá automaticamente, sem necessidade de abertura de novas contas ou atualização de cadastros. Mas muitos correntistas demonstram resistência à mudança.
“Tenho conta aqui desde 1994. Conheço os gerentes pelo nome. O banco diz que é tudo mais fácil pelo aplicativo, mas nem sempre é. Às vezes, eu só quero conversar com alguém”, lamenta o empresário José Raimundo, 62 anos, cliente há três décadas.
Lucro alto, confiança em baixa
Embora os números do Itaú mostrem crescimento, a imagem pública da instituição passa por um desgaste. O contraste entre lucros recordes e demissões massivas levanta questionamentos sobre a responsabilidade social das grandes corporações.
De um lado, o banco comemora inovação e eficiência. Do outro, funcionários e clientes enfrentam a realidade prática da digitalização, que nem sempre é tão “moderna” para quem depende do atendimento humano.
O episódio da Tancredo Neves, portanto, vai além de um simples fechamento de agência: ele simboliza a tensão entre o avanço tecnológico e o valor das relações humanas, um debate que promete se intensificar nos próximos anos.