Maçã e pêssego vão sumir? O motivo por trás da alta de preços e como frutas “exóticas” podem dominar o futuro das feiras
Quem diria que a simples maçã do lanche e o pêssego das festas de fim de ano poderiam se tornar luxo? Pois é, a natureza está mudando o jogo. A crise climática — com suas ondas de calor cada vez mais longas e frios repentinos — está mexendo profundamente com as plantações de frutas no Brasil e no mundo.
Maçãs, peras e pêssegos, que sempre foram sinônimo de fartura e sabor, agora enfrentam condições climáticas imprevisíveis. Invernos que chegam tarde demais ou calor fora de hora bagunçam o ciclo natural das árvores, prejudicando floração, polinização e até a qualidade dos frutos.
Enquanto isso, frutas consideradas “exóticas” ou pouco conhecidas começam a aparecer como protagonistas em um cenário agrícola que precisa, urgentemente, se reinventar.
Frutas raras em lugares improváveis
Um exemplo curioso vem de um lugar inesperado: o Brooklyn, em Nova York. No meio do cemitério histórico Green-Wood, árvores de pawpaw — uma fruta nativa americana parecida com um mamão pequeno — crescem entre lápides e jardins. Sim, parece cena de filme, mas é real.
O espaço funciona como um arboreto, um jardim vivo de árvores nativas. A ideia é simples e genial: mostrar que é possível cultivar alimentos em ambientes urbanos sem destruir o equilíbrio ecológico.
Joseph Charap, vice-presidente de horticultura do local, resume bem o propósito: “As pessoas precisam entender que frutas nativas podem florescer nas cidades. Isso é pensar no futuro.”
E, de fato, o futuro da agricultura pode depender dessa mentalidade.
Resiliência: a nova palavra de ordem da agricultura
O grande diferencial dessas frutas nativas está na resistência. Enquanto maçãs e pêssegos sofrem com qualquer variação climática, espécies como o pawpaw, o serviceberry, o beach plum e a arônia (chokeberry) resistem bravamente às mudanças.
Essas plantas demandam menos água, dispensam o uso de pesticidas agressivos e se adaptam facilmente a diferentes tipos de solo. É o tipo de fruta que parece ter sido feita sob medida para o clima imprevisível do século 21.
Ben Flanner, cofundador da fazenda urbana Brooklyn Grange, não tem dúvidas:
“A capacidade de resistir a extremos climáticos será decisiva para o futuro da agricultura.”
Em outras palavras, o sabor doce do pêssego pode até continuar, mas quem vai garantir sua presença à mesa são as espécies resistentes que aprenderam a sobreviver ao caos climático.
A volta triunfal da fruta esquecida: o pawpaw
Se existe uma estrela nesse movimento, ela atende por um nome curioso: pawpaw. Essa fruta, que já foi queridinha dos colonizadores americanos, praticamente desapareceu do mapa por décadas — e agora está ressurgindo com força.
O sabor? Uma mistura tropical de manga, banana e baunilha, segundo quem já provou. A aparência lembra o mamão-papaia, mas o sabor é muito mais intenso.
Em Ohio, há até um festival anual dedicado ao pawpaw, onde chefs, agricultores e curiosos experimentam receitas e produtos feitos com a fruta.
Um dos maiores defensores desse cultivo é o iraniano Reza Farzan, morador do Brooklyn, que planta pawpaws há mais de 30 anos. Ele conta que a árvore é praticamente indestrutível:
“Já sobreviveu a tempestades, geadas e até ao furacão Sandy. É uma das plantas mais fortes que conheço.”
A única fraqueza do pawpaw é o tempo de conservação. O fruto dura no máximo cinco dias após a colheita, o que limita a distribuição em larga escala — mas não o entusiasmo de quem acredita no seu potencial.
Diversificação: o novo caminho do campo
A professora Jessica Fanzo, da Universidade Columbia, alerta que o desafio vai muito além de plantar novas espécies. Segundo ela, diversificar cultivos é essencial para garantir segurança alimentar, mas o mundo ainda depende demais de poucas frutas e grãos.
“O problema não é só o clima”, explica Fanzo. “É o sistema inteiro. Desde a escolha das sementes até a logística de transporte, tudo foi feito pensando em poucas espécies. Precisamos mudar isso antes que seja tarde.”
A transição para frutas nativas e resistentes exige pesquisa, investimento e mudança cultural. As pessoas precisam aprender a gostar dessas frutas — e os supermercados, a comprá-las.
Enquanto isso, o preço das frutas tradicionais começa a dar sinais claros de que o modelo atual está chegando ao limite.
Outubro de 2025: maçã e pêssego no alto do ranking dos mais caros
Basta uma passada na feira ou no supermercado para perceber: a maçã está cara, e o pêssego, então, nem se fala.
Em outubro de 2025, o quilo da maçã nacional beira os R$ 18, reflexo da baixa oferta. A principal safra já passou, e o que resta são frutas estocadas ou importadas da Europa. Essas, apesar da qualidade superior, chegam com preços ainda mais altos.
No mercado atacadista, uma caixa de 18 kg da maçã Gala ultrapassa R$ 140, valor que pressiona o bolso de produtores e consumidores.
Já o pêssego, uma das frutas mais sensíveis ao clima, é ainda mais imprevisível. O Brasil tem produção concentrada em poucos estados — como Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais —, o que faz com que qualquer estiagem ou geada afete o preço final.
Nas gôndolas, o quilo do pêssego nacional parte de R$ 8,85, mas pode variar bastante. Por conta da escassez, cresce o consumo de pêssegos em calda, facilmente encontrados em latas nos supermercados.
Por que as frutas estão tão caras?
O aumento de preço das frutas não é simples “ganância de mercado”. Ele reflete um conjunto de fatores interligados:
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Sazonalidade: frutas como maçã e pêssego têm períodos curtos de colheita. Fora da safra, o preço dispara.
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Clima: geadas, secas e calor intenso reduzem a produção e comprometem a qualidade.
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Custos agrícolas: fertilizantes, energia e mão de obra ficaram mais caros, elevando o custo final.
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Importações: quando o Brasil precisa importar frutas, o câmbio e o frete pesam na conta.
Ou seja: o clima muda, o custo sobe e o consumidor sente no bolso.
O papel das frutas nativas no novo mercado
É nesse contexto que as frutas nativas e exóticas ganham força. Elas podem não ser tão conhecidas quanto a maçã da lancheira ou o pêssego da sobremesa, mas carregam uma vantagem competitiva: crescem onde outras não sobrevivem.
Espécies como o umbu, o cajá, o buriti e o camapu (também chamado de fisális amazônico) resistem bem a temperaturas extremas e períodos de seca. E mais: essas frutas já fazem parte da biodiversidade brasileira — ou seja, não precisam ser importadas.
Além disso, há um valor cultural e econômico importante. Pequenos produtores podem se beneficiar de cultivos regionais, fortalecendo economias locais e reduzindo a dependência de importações caras.
Do campo à mesa: uma nova cultura alimentar
A transição para frutas nativas exige algo mais profundo que investimento: mudança de paladar.
Estamos acostumados com sabores “padrão”, mas a natureza oferece um cardápio muito mais variado do que imaginamos.
Reza Farzan resume a filosofia por trás desse movimento:
“Cultivar frutas nativas não é só sobre o que vamos comer. É sobre o tipo de planeta em que queremos viver.”
Com o avanço das mudanças climáticas, o cultivo de frutas resistentes pode se tornar a linha de defesa mais importante da agricultura.
E, quem sabe, no futuro, os brasileiros passem a trocar a maçã por um umbu geladinho — ou o pêssego por um doce de arônia artesanal.
Se depender do clima, o cardápio do futuro será muito mais diverso, curioso e, claro, delicioso.