“É a pior linha de crédito que existe”: Governo critica antecipação do saque-aniversário do FGTS e muda regras para evitar endividamento
O clima esquentou. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resolveu colocar o dedo na ferida e declarar guerra à chamada antecipação do saque-aniversário do FGTS — aquele empréstimo que permite adiantar o valor que o trabalhador só receberia nos próximos anos.
Na manhã desta quarta-feira (8), Francisco “Chico” Macena, secretário executivo do MTE, foi direto ao ponto em entrevista à rádio CBN:
“É a pior linha de crédito que existe”, afirmou, sem rodeios.
A fala forte vem acompanhada de novas regras que limitam os valores, prazos e condições para quem quiser antecipar o saque. E, segundo o governo, essas medidas não são apenas para “colocar ordem na casa”, mas principalmente para proteger o trabalhador de cair em armadilhas financeiras.
Por que o governo considera o saque-aniversário uma armadilha
Macena explicou que os juros cobrados pelos bancos nessa modalidade são tão altos que o trabalhador acaba perdendo até 70% do que teria direito no FGTS. Em outras palavras, o dinheiro que deveria garantir segurança em momentos de necessidade vai parar nas mãos das instituições financeiras.
“O trabalhador compromete o fundo de garantia dele. Se quiser entrar no Minha Casa, Minha Vida, não consegue usar o saldo. Se for demitido, fica até dois anos depois do empréstimo sem poder acessar o que é dele, mesmo que o valor retido seja maior do que o saldo a pagar”, destacou o secretário.
A crítica faz sentido: a antecipação do saque-aniversário funciona como um crédito consignado disfarçado, mas com o FGTS como garantia. Isso significa que o trabalhador coloca em risco uma poupança que poderia usar em situações urgentes — como demissão, aposentadoria ou compra da casa própria.
O alerta sobre uso indevido: apostas e endividamento
Além dos juros, o MTE revelou outro problema preocupante. O monitoramento do governo mostrou que parte do dinheiro adiantado pelos trabalhadores está sendo usado para apostas online, especialmente em plataformas de bets.
E não para por aí. Há casos de pessoas que fizeram diversas antecipações no mesmo ano, comprometendo completamente o saldo do FGTS até 2056 — sim, três décadas à frente.
Para o MTE, o cenário virou um “vale-tudo financeiro”.
E, como resposta, o governo resolveu apertar as regras para evitar que o fundo — criado para proteger o trabalhador — se transforme em uma fonte de endividamento.
“As medidas que tomamos são para restringir essas práticas e proteger os trabalhadores”, enfatizou Macena.
Até bancos públicos estão na mira
A declaração de Chico Macena não poupou nem as instituições públicas.
Durante a entrevista, ele reconheceu que bancos estatais como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil também oferecem esse tipo de empréstimo.
Segundo ele, o MTE está dialogando com todas as instituições para alertar que essa não é a melhor alternativa de crédito, mesmo quando o empréstimo vem de bancos tradicionais.
O recado é claro: o governo quer frear o avanço desse tipo de operação — e vai contar com as próprias instituições para isso.
O que muda nas regras do saque-aniversário do FGTS
As novas regras implementadas pelo MTE foram pensadas para reduzir o risco de endividamento e trazer mais controle sobre os adiantamentos.
Veja, a seguir, as principais mudanças que entram em vigor a partir de 1º de novembro de 2025.
1. Limite de antecipações
Até outubro de 2026, o trabalhador só poderá antecipar até cinco parcelas do saque-aniversário.
Depois dessa data, o limite será reduzido para três parcelas.
Além disso, não será permitido fazer mais de um contrato no mesmo ano, evitando o acúmulo de dívidas e a perda total do saldo do FGTS.
Antes, havia quem fizesse até dez anos de antecipação de uma só vez, o que deixava o trabalhador praticamente sem fundo de garantia por muito tempo.
2. Limite de valor
Essa é outra grande mudança.
Antes, o trabalhador podia comprometer 100% do saldo do FGTS com a antecipação. Agora, o valor do empréstimo será limitado entre R$ 100 e R$ 500 por parcela, totalizando até R$ 2,5 mil no máximo.
A partir de outubro de 2026, o teto cairá para R$ 1,5 mil.
Ou seja, o governo quer que o crédito sirva apenas como um “socorro emergencial”, e não como uma forma de antecipar toda a poupança do trabalhador.
3. Prazo para adesão e carência
Outra mudança importante diz respeito ao tempo de espera.
Quem mudar o tipo de saque do FGTS para o modelo saque-aniversário precisará aguardar 90 dias antes de contratar qualquer antecipação.
Antes, o empréstimo podia ser feito imediatamente após a adesão, o que aumentava o risco de uso impulsivo do dinheiro.
Com esse prazo, o governo espera que o trabalhador reflita melhor antes de contrair uma dívida.
Impacto das mudanças
De acordo com estimativas do MTE, as novas regras devem impedir que R$ 84,6 bilhões do fundo sejam desviados para bancos até 2030.
Esse dinheiro, portanto, permanece no FGTS, podendo ser usado em programas de habitação, infraestrutura e geração de emprego.
Medida provisória libera saldo para demitidos
Além das novas restrições, outra medida trouxe alívio a muitos trabalhadores.
A Medida Provisória nº 1.290/2025, aprovada em fevereiro, liberou o saldo total do FGTS para quem foi demitido sem justa causa entre 2020 e 2025 e estava com o valor retido por causa do saque-aniversário.
Antes da MP, esses trabalhadores ficavam de mãos atadas — não podiam sacar o dinheiro nem mesmo após perder o emprego.
Com a nova medida, eles poderão acessar o saldo integral, desde que o Congresso aprove a MP de forma definitiva.
Essa mudança corrige uma das principais injustiças do modelo anterior, segundo o governo.
O que permanece igual
Apesar das novas regras, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, garantiu que o saque-aniversário não será extinto.
A possibilidade de sacar uma parte do FGTS todo ano, no mês de aniversário, continua valendo.
O trabalhador ainda pode optar entre dois modelos:
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Saque-rescisão (tradição antiga): saca o saldo completo em caso de demissão sem justa causa;
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Saque-aniversário: retira um percentual do saldo todo ano, mas perde o direito ao saque total em caso de demissão.
Ou seja: a modalidade continua, mas com freios para evitar exageros.
Calendário de pagamentos do saque-aniversário 2025
O calendário de pagamentos para 2025 mantém a mesma lógica dos anos anteriores.
O dinheiro fica disponível a partir do primeiro dia útil do mês de aniversário do trabalhador e pode ser sacado até dois meses depois.
Exemplo prático:
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Nascidos em janeiro: recebem de 2 de janeiro a 31 de março;
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Nascidos em fevereiro: de 3 de fevereiro a 30 de abril;
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E assim por diante.
Os saques podem ser feitos pelo aplicativo FGTS ou pelo site da Caixa, bastando informar uma conta bancária para o depósito.
Por que o governo não acabou com o saque-aniversário
Em fevereiro, o ministro Luiz Marinho chegou a cogitar acabar com a modalidade.
Mas a pressão política e o temor de reações do mercado falaram mais alto.
Milhões de trabalhadores já tinham aderido ao saque-aniversário e acabar com ele de uma vez poderia gerar instabilidade e judicialização.
Por isso, o governo optou por uma estratégia intermediária: manter o modelo, mas com regras mais rígidas e limites claros.
O foco, segundo o MTE, é proteger o FGTS como fundo de segurança, sem retirar completamente a liberdade do trabalhador de usá-lo.
A função social do FGTS e o risco da antecipação
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado com um propósito nobre: servir de proteção financeira ao trabalhador em caso de demissão.
Com o tempo, ele também passou a financiar programas habitacionais e obras de infraestrutura, sendo um dos pilares da economia nacional.
Mas a antecipação do saque-aniversário — na visão do governo — distorce essa função.
Em vez de ser uma reserva, o FGTS vira um instrumento de crédito caro, enfraquecendo o próprio fundo.
“Quando o trabalhador compromete o FGTS com empréstimos, ele enfraquece o fundo e perde a capacidade de usá-lo em situações que realmente importam”, afirmou Macena.
A fala do secretário resume bem o espírito da mudança: resgatar o papel original do FGTS e frear o endividamento desenfreado.
Um problema que afeta milhões
Atualmente, mais de 30 milhões de brasileiros já aderiram ao saque-aniversário.
E, segundo dados da Caixa Econômica Federal, pelo menos 10 milhões recorreram à antecipação via empréstimo — muitas vezes sem entender bem as consequências.
Com juros médios superiores a 20% ao ano, o trabalhador que antecipa o saque pode perder boa parte do benefício para os bancos.
Além disso, ao ser demitido, fica impedido de sacar o saldo total por até dois anos após quitar a dívida.
Não é à toa que o governo decidiu agir.
A partir de novembro: menos crédito, mais proteção
Com as novas regras em vigor a partir de 1º de novembro de 2025, a expectativa do governo é reduzir drasticamente a quantidade de empréstimos vinculados ao FGTS.
O objetivo, segundo o MTE, é garantir que o dinheiro do trabalhador permaneça seguro, sem comprometer seu futuro financeiro.
A limitação do valor de cada parcela e o tempo mínimo de 90 dias antes de contratar o crédito devem reduzir o apelo dos empréstimos rápidos — aqueles que pareciam uma boa ideia no início, mas viravam dor de cabeça depois.
O FGTS volta a ser reserva e não dívida
No fim das contas, as mudanças indicam uma tentativa de reeducar financeiramente o país.
O governo quer que o FGTS volte a ser o que sempre foi: um fundo de segurança, não um atalho para o consumo imediato.
Embora o tema divida opiniões — há quem defenda a liberdade total sobre o uso do próprio dinheiro —, é inegável que as novas regras trazem mais prudência e responsabilidade ao sistema.
E, se depender do tom de Chico Macena, as instituições financeiras vão ter que se adaptar.
“Não dá para continuar incentivando uma linha de crédito que deixa o trabalhador mais pobre”, afirmou.