Imagine que você está juntando as peças de um quebra-cabeça gigante, aquele que vai revelar a imagem da sua tão sonhada aposentadoria. De repente, você percebe que faltam algumas peças essenciais: são meses, ou até anos, em que você trabalhou mas, por algum motivo, não conseguiu contribuir com o INSS. A pergunta que surge, então, é inevitável e urgente: é possível voltar no tempo e preencher essas lacunas?
A resposta, para a surpresa e alegria de muitos, é um sonoro SIM! O INSS permite que você faça o recolhimento em atraso de contribuições antigas, um processo conhecido como “retroagir a data de início de contribuição”. É como ter uma máquina do tempo para consertar o seu histórico previdenciário.
Mas, como tudo que envolve a Previdência Social, essa jornada temporal não é um mar de rosas. Ela vem com regras específicas, prazos curtos e algumas pegadinhas que podem transformar seu sonho em um pesadelo burocrático. Vamos desvendar, de forma simples e direta, como navegar por esse terreno.
Quem pode embarcar nessa máquina do tempo?
Você não pode simplesmente decidir pagar por um período em que estava tirando férias do mundo. A regra de ouro é clara: é obrigatório ter exercido atividade remunerada na época que você pretende pagar. Sem comprovação de trabalho, não há pagamento que valide.
Quem se enquadra nessa possibilidade?
Trabalhadores autônomos, profissionais liberais e empresários (os chamados contribuintes individuais);
Segurados facultativos, como donas de casa, estudantes ou desempregados que, naquele momento, poderiam ter contribuído voluntariamente;
Trabalhadores rurais em regime de economia familiar.
Comprovação
A chave para abrir a porta do tempo é a documentação. Você precisa provar ao INSS que estava, de fato, trabalhando. A lista de documentos aceitos é ampla, mas quanto mais oficial, melhor.
Inscrição como autônomo na prefeitura da sua cidade;
Notas fiscais emitidas (as famosas NFs) no período desejado;
Contratos de prestação de serviço que estavam vigentes na época;
Declaração do Imposto de Renda (DIRPF) que comprove a renda da atividade;
Comprovantes de pagamento, recibos e extratos bancários que liguem seu nome àquele serviço.
A ausência desses documentos é um ponto final na sua viagem. Sem eles, o INSS não autoriza o pagamento. E se você pagar sem a devida autorização, o valor pode ser considerado indevido, te obrigando a entrar na fila para pedir a restituição.
Passo a passo para pagamento de atrasados do INSS
O processo em si não é um bicho de sete cabeças, mas exige paciência. Tudo começa com uma ligação telefônica.
Reúna todos os documentos de comprovação de atividade que listamos acima.
Ligue para o 135, o telefone do INSS, e solicite o serviço “Retroagir Data de Início da Contribuição (DIC)”. O atendente vai orientar sobre como enviar os documentos para análise.
Aguarde a análise. O INSS vai verificar se sua documentação é válida e se autoriza o recolhimento em atraso para aquele período.
Gere a Guia (GPS). Com a autorização em mãos, você deve solicitar, também pelo 135, o serviço “Calcular Período Decadente”. O sistema vai calcular exatamente quanto você deve pagar, com juros e multas, e gerar a Guia da Previdência Social (GPS) para pagamento.
Ah, e prepare o bolso! O valor não será o mesmo que você pagaria na época. Ele será corrigido pela Selic e acrescido de uma multa que pode chegar a 20%. O cálculo é automático e feito pelo próprio sistema do INSS.
A regra dos 6 meses
Aqui mora um dos detalhes mais importantes e que mais pegam os desprevenidos. Existe um conceito chamado “qualidade de segurado”. Basicamente, é a sua condição de segurado ativo perante o INSS.
Para o segurado facultativo (que não tem contribuição obrigatória), essa qualidade se mantém por apenas 6 meses após a última contribuição. Dentro desse prazo, você pode pagar meses em atraso sem maiores problemas. Se você ultrapassar os 6 meses sem pagar nada, você perde a qualidade de segurado. A consequência? Você não poderá mais regularizar contribuições daquele período de “blackout”. A máquina do tempo quebra para esse intervalo.
Para os Microempreendedores Individuais (MEI), a lógica é similar: é preciso comprovar que o CNPJ estava ativo no período que se quer pagar. Feito isso, as contribuições retroativas são válidas e contam para a aposentadoria.
Esse tempo conta para aposentadoria?
Esta é a pergunta de um milhão de dólares. A resposta é: depende para que fim.
Para Aposentadoria por Idade: Aqui, a regra é ter a idade mínima (65h/62m) e 180 meses de carência. O grande “mas” é que o INSS não costuma aceitar contribuições em atraso para completar a carência mínima. Ou seja, se você nunca contribuiu e quer usar apenas pagamentos retroativos para atingir os 15 anos, muito provavelmente não vai funcionar. Esses pagamentos são mais bem aceitos para quem já tem uma base de contribuições válidas e quer somar mais alguns meses.
Para Aposentadoria por Tempo de Contribuição: A história é diferente! Para completar o tempo total (35h/30m), as contribuições em atraso são geralmente aceitas. Desde que você já tenha cumprido a carência mínima de 180 meses com contribuições “normais”, os meses pagos retroativamente entram na soma final para fechar o seu tempo. Eles são os tijolos que completam a parede, não a fundação.
A moral da história? Regularizar seu passado previdenciário pode ser uma jogada de mestre para antecipar sua aposentadoria ou garantir um benefício mais robusto.
Porém, é uma jornada que exige documentos, paciência e, acima de tudo, a orientação correta para não gastar dinheiro à toa. Antes de sair pagando qualquer guia, certifique-se de que seu período de contribuição será, de fato, validade pelo INSS. Seu eu do futuro agradece.
**Autor da Matéria: Saulo Moreira, do Revista dos Benefícios, é formado em Ciências Contábeis, pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
