Fim das autoescolas obrigatórias pode baratear CNH em 80%, mas há um problema nisso
Governo estuda acabar com a exigência de aulas em autoescolas para tirar CNH. Medida pode reduzir custos em até 80%, mas setor alerta para risco de 300 mil demissões e aumento nos acidentes de trânsito.
Uma proposta em análise pelo governo federal promete mudar de forma radical a maneira como milhões de brasileiros conquistam a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). O ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou em julho que o governo estuda acabar com a obrigatoriedade das aulas em autoescolas para as categorias A (motocicletas) e B (carros de passeio).
Se confirmada, a mudança pode reduzir em até 80% o custo da habilitação, mas também ameaça um setor que emprega diretamente 300 mil pessoas em todo o país, além de gerar impactos econômicos, fiscais e sociais.
O que está em jogo na proposta?
Hoje, quem deseja se tornar motorista ou motociclista no Brasil é obrigado a frequentar aulas teóricas e práticas em Centros de Formação de Condutores (CFCs), popularmente conhecidos como autoescolas. Esse modelo está em vigor há quase três décadas e é defendido como essencial para a segurança no trânsito.
Com a proposta, as aulas deixariam de ser obrigatórias e passariam a ser opcionais. O candidato à CNH poderia se preparar por conta própria e, ao se sentir apto, agendar os exames no Detran.
Segundo Renan Filho, a medida não significa o fim das autoescolas, mas a possibilidade de escolha: “Quem quiser continuar se preparando nas autoescolas, poderá fazê-lo. Mas não será mais obrigatório”.
Impactos econômicos: R$ 14 bilhões a menos no setor
De acordo com a Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto), o impacto econômico seria devastador. Atualmente, existem 15.757 CFCs em operação, que movimentam R$ 429 milhões por mês em salários.
O setor responde por um faturamento anual de cerca de R$ 14 bilhões. Se a obrigatoriedade for retirada, boa parte dessa receita desapareceria, assim como os cerca de 300 mil empregos formais ligados às autoescolas.
Além disso, haveria uma queda de aproximadamente R$ 1,92 bilhão em arrecadação de tributos. Municípios médios e pequenos seriam os mais afetados, já que dependem da movimentação econômica das autoescolas para manter o consumo local e a arrecadação de ISS e ICMS.
Risco de aumento nos acidentes e custos para o SUS
Um dos principais pontos levantados pela Feneauto é a questão da segurança viária. O Brasil já enfrenta números alarmantes: 33 mil mortes por ano no trânsito, além de milhares de feridos e hospitalizações.
Pesquisas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) indicam que o treinamento estruturado de condutores é determinante para reduzir acidentes.
Caso a formação se torne opcional, a federação alerta que o país poderá registrar aumento significativo de sinistros, elevando os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) e comprometendo ainda mais a mobilidade urbana.
Segundo Ygor Valença, presidente da Feneauto:
“Desmontar a rede de CFCs significa abrir mão de empregos, de arrecadação e, principalmente, da segurança no trânsito. Flexibilizar a formação de condutores é retroceder em décadas de conquistas”.
Por que o governo quer mudar as regras?
De acordo com o ministro Renan Filho, o Brasil é um dos poucos países do mundo que exige um número mínimo de horas de aula em autoescolas. Essa obrigatoriedade eleva o preço da habilitação, que hoje varia entre R$ 3 mil e R$ 4 mil.
O alto custo seria a principal barreira para milhões de brasileiros. Estima-se que 20 milhões de pessoas dirigem sem CNH e outros 60 milhões em idade para tirar a habilitação não possuem o documento, muitas vezes por não conseguirem arcar com o processo.
O ministro revelou ainda que cerca de 40% das motos vendidas no Brasil estão em nome de pessoas sem CNH, um dado que, segundo ele, demonstra a urgência de tornar o processo mais acessível.
A polêmica da “máfia das autoescolas”
Outro argumento do governo é o combate ao que chama de “máfia das autoescolas”. Renan Filho afirmou que, em alguns casos, candidatos são induzidos à reprovação para que precisem pagar novamente as taxas e aulas, encarecendo ainda mais o processo.
Para ele, a mudança traria mais transparência e liberdade ao cidadão, que poderia escolher como se preparar, sem depender exclusivamente das autoescolas.
O objetivo: baratear e desburocratizar
O governo aposta que a flexibilização permitirá uma redução de até 80% no custo da CNH. Isso significa que o documento poderia sair por valores muito abaixo dos atuais R$ 3 mil, aliviando o bolso dos candidatos e permitindo que mais brasileiros passem a dirigir de forma regular.
Além do impacto positivo para o cidadão, a medida também é defendida como um estímulo indireto à economia. O dinheiro que hoje é gasto em aulas obrigatórias poderia ser redirecionado para outros setores.
O dilema: democratização x segurança
O debate escancara um dilema complexo. De um lado, o governo busca democratizar o acesso à habilitação, reduzir custos e enfrentar a realidade de milhões que dirigem sem CNH. De outro, o setor alerta para os riscos de um trânsito mais inseguro, perda de empregos e queda na arrecadação tributária.
Especialistas divergem:
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A favor: a medida democratiza o acesso à CNH e combate práticas abusivas.
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Contra: pode elevar o número de acidentes e sobrecarregar o sistema de saúde.
E agora?
A proposta já foi redigida e formalizada pelo Ministério dos Transportes, mas ainda precisa passar por debates técnicos e políticos antes de qualquer alteração na lei.
Enquanto isso, cresce a mobilização do setor de autoescolas, que promete pressionar o Congresso e o governo para impedir a mudança. Ao mesmo tempo, movimentos populares comemoram a possibilidade de finalmente obter a CNH a um custo acessível.
Considerações finais
O fim da obrigatoriedade das autoescolas pode representar uma revolução no processo de habilitação no Brasil. A medida promete alívio financeiro para milhões de motoristas e motociclistas, mas também coloca em risco uma cadeia econômica bilionária e pode afetar diretamente a segurança no trânsito.
Entre o sonho de uma CNH mais barata e o temor de ruas mais perigosas, o Brasil se vê diante de uma decisão que exigirá equilíbrio entre acessibilidade, empregos e vidas humanas.