O café, atrás apenas da água como bebida mais consumida no planeta, movimenta bilhões de dólares e sustenta milhões de famílias no campo. Mas, em 2025, o Brasil — maior produtor e exportador global — enfrenta um cenário que pode mudar o destino de milhões de sacas.
Com a entrada em vigor, no último dia 6 de agosto, de tarifas de 50% sobre determinados produtos brasileiros vendidas aos Estados Unidos, o café entrou na lista dos mais impactados. Hoje, cerca de 8 milhões de sacas são enviadas todos os anos para o mercado americano, abastecendo um terço do consumo do país. Essa rota comercial movimenta aproximadamente US$ 4,4 bilhões.
Agora, com o aumento abrupto de custo, a grande questão é: quem vai beber o café que os EUA deixarão de comprar? A resposta parece clara — e promissora: a China, um país onde a demanda pela bebida cresce em ritmo acelerado.
Do choque comercial à oportunidade
O golpe tarifário não veio sozinho. O setor cafeeiro já enfrentava nos últimos meses uma combinação de problemas climáticos e logísticos. Secas, tempestades e variações de temperatura reduziram a produção em diferentes regiões produtoras. Ao mesmo tempo, dificuldades no transporte global atrasaram entregas e elevaram custos.
A nova barreira imposta pelos EUA — que, segundo a Reuters, atinge também produtos como suco de laranja e carnes — obriga o Brasil a buscar compradores alternativos para manter seu fluxo de exportações. E é aí que entra a China, que já é o principal parceiro comercial brasileiro, mas ainda compra pouco café.
A aproximação com a China
Em junho deste ano, o Brasil enviou 440.034 sacas de café aos EUA, contra apenas 56.000 para a China. A diferença é enorme, mas o cenário está mudando.
A Reuters confirmou que o governo chinês autorizou 183 novas empresas brasileiras de café a exportar para o país asiático. A medida amplia de forma significativa a base de fornecedores e abre espaço para uma escalada nas vendas.
A aposta brasileira faz sentido. Desde 2010, o consumo de café na China cresce a taxas superiores a 20% ao ano — muito acima da média mundial de cerca de 2%. E o movimento não mostra sinais de desaceleração.
Mercado chinês: gigante e em expansão
Em 2023, os chineses consumiram 5,8 milhões de sacas de café. As projeções indicam que, até 2025, o número subirá para 6,3 milhões, o dobro do registrado em 2019.
Embora o consumo per capita ainda seja baixo comparado a países como Brasil, Itália ou EUA, o tamanho da população chinesa torna qualquer crescimento percentual extremamente relevante. Hoje, estima-se que cerca de 400 milhões de chineses já bebam café regularmente — e esse número cresce todos os meses.
O perfil do consumidor também chama atenção: a maioria tem entre 25 e 44 anos, vive em grandes centros urbanos, possui ensino superior e renda acima da média. São pessoas que frequentam cafeterias, experimentam novos sabores e buscam qualidade.
O boom das cafeterias
Outro dado impressiona: o número de cafeterias na China cresceu mais de 50% em apenas dois anos. Xangai, por exemplo, se tornou a cidade com mais cafeterias no mundo, com aproximadamente 9.500 estabelecimentos.
O mercado, que movimentava US$ 38 bilhões em 2023, deve alcançar US$ 43 bilhões em 2024. O café instantâneo ainda lidera as vendas, muitas vezes misturado a outros ingredientes, mas o segmento de cafés especiais e preparados na hora já responde por mais de 40% do consumo.
Essa tendência indica um mercado cada vez mais sofisticado, no qual o café brasileiro — conhecido pela diversidade de sabores e qualidade dos grãos — pode ganhar destaque.
Mudança cultural e influência ocidental
O crescimento do consumo na China está diretamente ligado a mudanças culturais. A urbanização acelerada, a consolidação da classe média e a influência de marcas internacionais como Starbucks e da rede local Luckin Coffee ajudaram a inserir o café na rotina de milhões de pessoas.
Se antes o chá era praticamente imbatível, hoje o café começa a conquistar um espaço relevante na cultura jovem chinesa. O ritual da pausa para um café, tão comum no Ocidente, já é parte do dia a dia em escritórios e universidades nas principais cidades do país.
O que muda para o Brasil
Para os produtores brasileiros, o acesso ampliado ao mercado chinês representa uma oportunidade estratégica para compensar a perda de participação nos EUA.
Diversificar os destinos de exportação é fundamental para reduzir riscos em um cenário global instável, marcado por disputas comerciais e eventos climáticos extremos. Além disso, a demanda chinesa crescente pode absorver tanto café de volume quanto grãos especiais, que oferecem maior valor agregado.
Desafios no caminho
Apesar do otimismo, o mercado de café continua vulnerável. A produção global ainda sofre com fenômenos climáticos, e a logística internacional permanece cara e sujeita a atrasos.
Além disso, outros grandes produtores — como Vietnã, Colômbia e Etiópia — também disputam espaço no mercado chinês. Para manter vantagem competitiva, o Brasil precisará investir em qualidade, certificações e marketing direcionado, mostrando ao consumidor chinês as características únicas de seus cafés.
Possível impacto nos EUA
Enquanto isso, o consumidor americano já começa a sentir o peso das tarifas. Uma alta de preços é inevitável, e isso pode levar cafeterias e torrefadoras nos EUA a buscar alternativas em outros fornecedores.
Esse deslocamento de demanda pode, no curto prazo, alterar o mapa global do comércio de café. Países que conseguirem garantir preços competitivos e qualidade terão vantagem.
Um novo capítulo para o café brasileiro?
A “sede” da China por café é, para o Brasil, mais do que uma oportunidade: é uma possível nova fase para o setor. Se a aproximação comercial for bem conduzida, o país pode se tornar um dos principais fornecedores para o gigante asiático nos próximos anos.
No longo prazo, isso significa não apenas equilibrar as perdas no mercado americano, mas também conquistar uma base de consumidores em crescimento contínuo.
O desafio agora é transformar essa oportunidade em contratos, manter a qualidade do produto e garantir que o café brasileiro continue sendo sinônimo de excelência — seja servido em Nova York, Pequim ou Xangai.