A tradicional rede espanhola de supermercados El Arco, fundada em 1987 e com quase quatro décadas de atuação, surpreendeu o setor varejista ao anunciar, de forma definitiva, o fechamento de todas as suas 600 unidades espalhadas pelo país. A decisão, motivada por uma crise financeira que se arrastava há anos, resultou também na demissão de cerca de 100 funcionários, selando o fim de uma das mais conhecidas bandeiras do comércio alimentício da Espanha.
O colapso da El Arco traz à tona não apenas os riscos da má gestão financeira em redes de grande porte, mas também sinais de alerta para o setor varejista europeu, que vem enfrentando transformações profundas nos hábitos de consumo e na logística de suprimentos.
O auge e a expansão da El Arco
Durante boa parte de sua história, a El Arco foi considerada sinônimo de eficiência, variedade de produtos frescos e estratégia agressiva de expansão. A rede, que nasceu como um mercado de bairro, logo se tornou uma potência com presença marcante nas principais cidades espanholas.
A partir dos anos 2000, a El Arco iniciou a aquisição de marcas regionais menores e passou a operar com bandeiras secundárias em áreas estratégicas, ampliando seu público e faturamento. Essa movimentação levou à abertura de novas unidades anualmente — um crescimento sustentado que parecia indicar um futuro promissor.
Contudo, os bons ventos começaram a mudar quando o modelo de negócios da empresa passou a mostrar sinais de saturação. A insistência em manter altos estoques de produtos perecíveis e a baixa margem de lucro em um setor cada vez mais competitivo geraram pressões financeiras crescentes.
Crise financeira se intensifica a partir de 2022
Apesar de resistir à pandemia da Covid-19 com relativa estabilidade, a El Arco entrou em 2022 já fragilizada financeiramente. O aumento dos custos operacionais, especialmente relacionados à energia elétrica, logística e salários, pressionou ainda mais os resultados da empresa.
Entre 2022 e 2024, a El Arco acumulou dívidas com fornecedores e bancos, resultando em uma série de reestruturações administrativas e mudanças na direção da companhia. No entanto, as ações foram consideradas tímidas diante da gravidade da situação.
Em 2024, a rede anunciou a venda de 29 lojas e duas centrais logísticas, tentando arrecadar recursos para cobrir parte das dívidas. Mas os valores obtidos cobriram apenas 70% dos débitos com fornecedores, o que agravou a falta de abastecimento nas lojas — um dos fatores mais críticos para a operação de supermercados.
Sem produtos nas prateleiras e com o nome manchado entre os parceiros logísticos, a empresa viu-se encurralada: manter as lojas abertas se tornou financeiramente inviável.
Medidas de contenção não foram suficientes
Além da venda de ativos, a empresa tentou enxugar custos operacionais, implementando cortes de pessoal, redução de turnos e suspensão de contratos com prestadores de serviço. Ainda assim, o rombo no caixa continuava aumentando.
Especialistas em varejo apontam que a El Arco demorou a modernizar seus processos, especialmente no que diz respeito à digitalização, programas de fidelidade e presença no e-commerce. Enquanto concorrentes investiam em vendas online e aplicativos de entrega, a rede mantinha foco exclusivo no atendimento presencial — um erro estratégico diante da mudança nos hábitos de consumo acelerada pela pandemia.
Outro fator apontado por analistas é a falta de transparência com investidores e fornecedores, o que minou a confiança e dificultou possíveis acordos de recuperação judicial ou investimentos externos.
Demissões e impactos econômicos regionais
A decisão de encerrar as atividades de forma definitiva impactou diretamente cerca de 100 trabalhadores, além de centenas de terceirizados que atuavam em funções como limpeza, segurança, transporte e abastecimento. A demissão em massa gera efeitos colaterais importantes, especialmente nas comunidades onde a rede era a principal empregadora no setor de varejo.
Além disso, o fechamento das 600 unidades deve provocar:
Aumento do desemprego em pequenas e médias cidades.
Redução da competitividade local, favorecendo monopólios ou duopólios regionais.
Queda de arrecadação tributária municipal.
Enfraquecimento da cadeia de fornecedores, principalmente pequenos produtores locais que tinham a El Arco como principal canal de escoamento.
O que dizem os ex-funcionários e clientes
As redes sociais foram inundadas com relatos emocionados de funcionários e clientes que acompanharam a trajetória da El Arco ao longo dos anos. Muitos trabalhadores afirmam que foram pegos de surpresa com a notícia do fechamento e que não receberam o pagamento integral das verbas rescisórias.
Uma ex-gerente de loja na cidade de Sevilha relatou que o clima nas últimas semanas já era de incerteza. “A gente via os produtos sumindo, fornecedores parando de entregar, clientes reclamando… mas ninguém esperava um fim tão brusco”, afirmou.
Clientes também lamentaram o encerramento das atividades. “Era o supermercado que eu frequentava desde pequena. Tinham produtos que só encontrava lá”, comentou uma consumidora em Valência.
Especialistas alertam para riscos no setor varejista
O caso da El Arco acende um alerta para o setor de supermercados na Europa. Segundo especialistas em economia e varejo, os sinais de colapso já estavam presentes, mas foram ignorados ou subestimados pela gestão da empresa.
O economista Luis García, da Universidade de Madri, destaca que o mercado de varejo está cada vez mais competitivo. “Hoje, o consumidor quer preço, praticidade e entrega rápida. Empresas que não se adaptarem à digitalização e à nova logística de consumo correm sérios riscos de desaparecer”, afirma.
Já para a consultora Pilar Navarro, a El Arco sofreu de um problema comum em grandes empresas familiares: resistência à mudança. “As decisões ainda eram tomadas por membros da família fundadora, que não abriram espaço para inovações e mudanças estruturais quando ainda era tempo”, analisa.
O futuro incerto dos imóveis e da marca
Com o fim das operações, especula-se que os imóveis próprios da rede — tanto lojas quanto centros de distribuição — poderão ser leiloados ou adquiridos por redes concorrentes. Empresas como Carrefour, Lidl e Dia já estariam analisando a possibilidade de incorporar parte das lojas à sua malha operacional.
Além disso, há dúvidas sobre o que será feito com a marca El Arco, que, apesar do colapso financeiro, ainda possui valor simbólico em algumas regiões da Espanha. É possível que o nome seja adquirido por algum grupo interessado em reerguer a bandeira sob nova administração, como já ocorreu com outras marcas históricas do varejo.
Uma lição sobre gestão e adaptação
O fim da El Arco é mais do que uma tragédia corporativa — é uma lição sobre como empresas consolidadas podem ruir rapidamente quando não acompanham as mudanças do mercado e deixam de lado a saúde financeira.
A combinação de modelo de negócios ultrapassado, endividamento progressivo, perda de competitividade e má gestão levou uma das maiores redes da Espanha à falência.
Para os consumidores, o caso serve como alerta de que até marcas consolidadas não estão imunes a crises. Para os empresários do setor, é um chamado para a inovação contínua, a digitalização e o investimento em eficiência operacional.
Enquanto isso, centenas de ex-funcionários enfrentam a incerteza do desemprego, e o varejo espanhol tenta absorver os impactos deixados pela queda de uma gigante.